Costumo dizer que mais do que qualquer substância ou produto, rejeitar a tristeza é o nosso maior vício e um dos mais cansativos. A necessidade de fazer com que os momentos ruins inexistam ou durem o mínimo possível. O desespero de se livrar do que é incômodo, a dificuldade em aceitar que tudo, pessoas, lugares, momentos, têm um lado luz e outro sombra.
Formatados para a alegria e para o prazer que somos, sobra pouco espaço para a maturidade dos ciclos, esse curso constante em que um dia é bom e outro é ruim.
Uma amiga me escreveu outro dia dizendo que ia mudar de cidade, que estava animada com a mudança, mas também apreensiva porque sua nova casa seria num país que ela amava, mas que também guardava memórias ruins. Respondi dizendo que, excetuando-se situações extremas ou traumas, não são assim todos os lugares nos quais nos demoramos? Não guardamos deles o bom e o ruim? Que experiências de longo prazo nesta vida nos trazem só coisas boas? Existe isso?
As três principais cidades que morei, incluindo a que moro hoje, foram e são fonte de algumas das memórias mais penosas e mais felizes da minha vida. Algumas das pessoas que mais amo, incluindo amigos e família, são as que têm maior potencial de trazer o melhor e o pior dos sentimentos à tona.
Se é assim com todas as relações que construímos, se sabemos que os tais dois lados existem em tudo, se temos consciência de que nada é constante, nem a alegria, nem a tristeza, que a dualidade é uma regra, porque rejeitamos tanto o outro lado? Por que agimos como se os maus momentos não pudessem estar entre nós, se eles invariavelmente estão?
Não estou falando aqui de casos clínicos de tristeza, ansiedade e depressão. Mas daqueles momentos corriqueiros em que sentimos medo, solidão, inveja, saudade, vergonha, raiva, tédio, desgosto, amargura e que nos esforçamos para que eles se dissipem rápido, que não nos afete.
E se a gente fizesse um trato de sentir a tristeza sem se afundar nela, mas também sem rejeitá-la, apenas com a tranquilidade de quem sabe que simplesmente vai passar, assim como a alegria também não dura? Por que não abraçamos a melancolia como parte do que somos? Que resistência é essa de rejeitar esse pedaço indivisível de nós, ainda mais quando este se repete com uma constância exemplar, assim como o sol e a lua?
Esse texto tem mais perguntas porque não sei mesmo as respostas. Mas deixo os pontos de interrogação aqui.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora
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