Vez ou outra, mesmo em círculos íntimos, me pego levemente sem graça de dizer claramente que não quero ter filhos.
A frase muitas vezes sai com uma voz mais baixa, como um segredo, seguida de alguma justificativa fofinha tipo: “mas eu acho que deve ser incrível a experiência” ou “mas eu posso mudar de ideia”, numa tentativa de amortecer o impacto das minhas palavras e me tornar menos potencialmente ofensiva.
Outra impressão que não quero causar é a de que afirmando que não quero ter filho, aquela mãe na minha frente tome a minha fala como: “Ter uma vida como a sua? Eu, hein! Deus me livre, que desperdício, como você pode ser tão burra, como pode ser tão condescendente com esse sistema que te agride?”, o que não chega nem perto de ser minha intenção, nem a intenção de muitas mulheres que compartilham o mesmo desejo ( ou não-desejo) que eu.
A minha escolha carrega em si o sentido absoluto da palavra, para mim e para o outro. Aquele que compreende que a base fundamental deste ato é a plena liberdade. Ou seja, se eu sou livre para escolher uma via e quero que esta seja respeitada, então há outro alguém, tão livre quanto eu, que pode escolher a via oposta.
Uma decisão que eu não apenas respeito, mas admiro, vejo beleza, vejo dor, vejo força, injustiça, amor e alegria. E cuja estrutura simplesmente não me interessa, por diversas razões.
Ou seja, quando eu digo que ser mãe não está nos meus planos, eu não faço uma acusação às mães, eu não rejeito o que aquela mãe vive em sua particularidade, não é uma crítica direcionada a ela. Não é sequer uma crítica.
Uma decisão desta magnitude não deve ser levada para o lado pessoal por terceiros. Uma mulher que não quer engravidar, parir, gerar ou adotar, não está se vingando dos pais, não querendo dar netos a eles ou passar o sobrenome adiante, nem se vingando da sociedade, planejando extinguir a espécie. Não está afundada na amargura, no ódio ou na decepção, como pensam alguns.
Esta mulher está apenas finalmente exercendo o direito que lhe foi negado (e ainda é) sistematicamente: o de fazer o que bem entender da sua vida, do seu tempo, do seu corpo.
Então, mãe (e pai, claro), um apelo: não tome a nossa recusa ao que você vive como desprezo. Não se sinta menos digna da sua experiência apenas porque essa experiência não está na lista de desejos de parte das mulheres. Assim como não é lá muito justo que você empurre um desejo que é seu pela nossa goela abaixo.
Não precisamos cair na cilada de nos dividir em mais um grupo, nem muito menos no umbiguismo de achar que a decisão de alguém é uma resposta à nossa. Mulheres, tenham filhos. Mulheres, não tenham filhos. Porque no final do dia, sobramos nós, todas, tentando dar um jeito de ser feliz apesar dessas estruturas que tentam nos diminuir, nos cercar, nos matar.
Podemos seguir amparadas, nós e nossas escolhas, sejam elas quais forem, lutando para que um dia alguma mulher - de preferência mais de uma - seja de fato livre.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.