Você precisa de um computador que bloqueia distrações online?

Foto: Reprodução

O anúncio me chamou atenção. Apregoava uma espécie de computador portátil capaz de forçar o usuário a se concentrar, unicamente, na tarefa de redigir textos, sem o risco de ser abduzido por qualquer outro tipo de distração digital. “Quando foi a última vez que você conseguiu escrever por dez minutos direto sem ser interrompido por um e-mail ou notificação de mídia social?”, indagava.

“Estudos mostram que leva 25 minutos em média para voltar a focar na tarefa original após uma única interrupção”, dizia a propaganda. “Isso, no caso de uma só distração; mas estudos também demonstraram que uma pessoa checa o celular, em média, uma vez a cada doze minutos. Some todas essas distrações e poderá realmente ver a extensão do problema”.

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Soou-me familiar e convincente. Participo de um grupo de queridos amigos escritores no WhatsApp e fico atônito com a quantidade avassaladora de mensagens, fotos, fiilmetes, memes e figurinhas que parte deles troca, a toda hora, entre si. Como desativei as notificações de meus aparelhos eletrônicos, sou participante bissexto. Basta passar dois ou rês dias distante dali e as mensagens acumulam-se na casa dos milhares.

Surpreendo-me com o fato de muitos colegas de ofício permanecerem conectados assim por tanto tempo. Pode ser limitação minha, mas jamais conseguiria conciliar a onipresença online com a tarefa de ler e escrever. Atividades que, pelo para mim, exigem concentração, foco, tempo e silêncio.

Continuei, então, a dar uma espiadela no tal anúncio. Os fabricantes do aparelho em questão o definem como uma espécie de “máquina de escrever inteligente”. Tem teclado mecânico, semelhante ao de minha dinossáurica Olivetti dos tempos de juventude. Mas, em vez de papel, o texto aparece numa minúscula tela de cristal, de poucas polegadas, não muito maior que a de um celular.

Nele, não há conexão com sites de internet. Portanto, não é possível acessar notícias, redes sociais ou aplicativos de mensagens. O único recurso digital disponível é a sincronização de arquivos de texto em plataformas de armazenamento na nuvem. Nada

mais. Só isso. “Para escritores, significa que estarão totalmente imersos em suas palavras, escrevendo mais e liberando seu potencial criativo”, sugere o anúncio. “Desligue as distrações, concentre seus pensamentos”.

O design da máquina, ressalve-se, é quase caricato. Com a telinha miúda, lembra aqueles antigos laptops infantis da Xuxa. Os modelos do topo de linha até se esforçam para parecer mais charmosos, com estojos de transporte em forma de maleta 007. Mas o que se anuncia como estética retrô, ao tentar parecer o que não é, resulta em um artifício um tanto quanto kitsch.

Fico me perguntando o que levaria alguém a desembolsar 500 dólares para adquirir a traquitana. Não seria muito mais fácil desligar as notificações do computador, controlar o impulso de navegar a esmo e deixar de conferir atualizações nas redes sociais a cada instante? Não seria melhor exercer o autocontrole e a parcimônia, utilizar a internet como ferramenta poderosa e útil à leitura e à escrita, em vez de se deixar escravizar por toques, notificações e sinais de alerta?

Para muita gente, infelizmente, talvez não seja. Conheço colegas compulsivos, que se renderam à alternativa de baixar aplicativos como Freedom, WriteRoom e FocusMe, destinados a bloquear distrações online. Com isso, rebaixa-se o mais moderno computador a um prosaico processador de texto.

Torço para que chegue o dia em que reconheçamos, enfim, que o grande ativo pessoal e profissional a ser perseguido não é estar 100% online, mas vencer o desafio de não desperdiçar o próprio tempo. Afinal, há muitos livros a escrever. Muito mais ainda a ler.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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