Os 'Liras': das agruras de ter homônimos incômodos

Legenda: Mas o que nos últimos tempos tem me tirado do sério, na verdade, é ler, na imprensa brasileira, manchetes como esta: “Para Lira, ainda não há circunstâncias para impeachment”
Foto: Câmara dos Deputados

Já estou até acostumado. Quando o interfone toca, lá vem a voz dos carteiros, mensageiros ou entregadores, anunciando-me que chegou encomenda para a “Sra. Lira”. Isso mesmo, “senhora”, no feminino. Vou lá fora e, então, divertindo-me com o ar desconcertado do sujeito diante de minha cara barbada, apresento-me como a “Sra. Lira”. “Sou eu mesmo, quer ver minha carteira de identidade?”, pergunto, em tom gaiato.

Em geral, a cena termina com um pedido constrangido de desculpas, por parte do interlocutor, e, da minha parte, com um sorriso e uma rápida explicação. Apesar de ter recebido na pia batismal o nome “João”, desde criança que ninguém na minha família tratou-me assim, pelo prenome. Em casa, meus pais e irmãos, sei lá por qual motivo, sempre me trataram pelo sobrenome. Assim ficou.

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Na época da escola, quando trocava de colégio, vinham as inevitáveis brincadeiras dos novos colegas. Nunca me importei com isso; do contrário, por medida preventiva, teria pessoalmente adotado o inequívoco “João”, em vez do dúbio “Lira”. Assim, quando encomendo compras pelo correio ou telefone, identifico-me pela forma como desde sempre me assinei.

Mas o que nos últimos tempos tem me tirado do sério, na verdade, é ler, na imprensa brasileira, manchetes como esta: “Para Lira, ainda não há circunstâncias para impeachment”. Ou esta: “Bolsonaro entrega a Lira proposta de privatização dos correios”. Dias desses, deparei-me com um artigo de opinião com o seguinte título: “Lira é Bolsonaro, Bolsonaro é Lira”. Isso, sim, me deixa embaraçado.

Aproveito a ocasião para dizer que, pelo menos ao que eu saiba, não tenho nenhum laço de parentesco com o deputado e agropecuarista alagoano, ora presidente da Câmara, que, fazendo-se de morto, está sentado sobre uma pilha de pedidos de impedimento do presidente da República. Embora, por coincidência, o pai dele tenha o mesmo nome do meu — Benedito —, não somos irmãos. Felizmente, cabe dizer.

Aviso também aos leitores mais incautos que, por favor, não sou eu o autor de certos livrinhos religiosos que andam por aí, intitulados “Como edificar o ministério do louvor” e “Oração diária: o segredo de uma vida vitoriosa”. 

É que um certo pastor, vice-presidente de uma igreja evangélica, igualmente alagoano como o tal deputado, assina tais obras com um nome idêntico ao meu: Lira Neto. Por mais uma vez, já tive de explicar a desavisados que não me converti e não tenho a mínima ideia de como se edifica um ministério do louvor — seja lá o que for isso.

Mas nada era pior do que naquele tempo em que meu time de futebol do coração, o Ceará Sporting Club, tinha um treinador chamado Lira — mais um alagoano, de algum ramo longínquo, extraviado e ignorado da família. Era profundamente desagradável ir ao Castelão ou ao estádio Presidente Vargas e ouvir a torcida do Fortaleza — e mesmo a do querido alvinegro, em caso de derrotas acachapantes — xingando e gritando, em um coro de milhares de vozes, os palavrões mais cabeludos contra mim. Quer dizer, contra o técnico.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.