É inevitável. Um cearense, como eu, não para de tomar sustos ao entrar em uma livraria aqui em Portugal. Sei que, por cá, em terras lusitanas, o termo “rapariga” é apenas o feminino do prosaico substantivo masculino “rapaz”. Mas talvez eu morra e não me acostume. Afinal, como bem sabe o “Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa”, em várias localidades do Brasil — o Ceará incluso —, rapariga significa o mesmo que “amante”, “concubina” e, por extensão, “meretriz”, “prostituta”.
Pois adentro a qualquer livraria de Lisboa ou do Porto e me vejo enrubescer levemente quando deparo, nas gôndolas e prateleiras, com um título como este: “As raparigas perdidas”, tradução do romance policial de Angela Marsons. Bem ao lado está “Uma rapariga entra no bar”, de Helena S. Paige — na verdade pseudônimo de três autoras, as mesmas que escreveram juntas “Uma rapariga vai ao casamento”. A polissemia transatlântica encarrega-se de atribuir sentido insólito e humor involuntário ao meramente trivial.
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Na prateleira mais além, estão o quiçá instigante “Uma rapariga endiabrada”, de Nick Hornby; o refulgente “As raparigas cintilantes”, de Lauren Beukes; o sugestivo “A rapariga mais sortuda do mundo”, de Jessica Knoll; e, ainda, o misterioso “A sociedade secreta das raparigas”, de Diana Peterfreund. Fico imaginando como seria colocar qualquer um desses títulos na vitrine de uma livraria em Fortaleza.
Aqui, o thriller “A menina que brincava com fogo”, sequência da trilogia “Millenium”, do sueco Stieg Larsson, saiu com o extraordinário título de “A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo”. Juro.
Entre as obras de autores portugueses, destacam-se “Cemitério das raparigas”, do colega jornalista Miguel Esteves Cardoso; “A rapariga sem carne”, do poeta, romancista e dramaturgo Jaime Rocha; “As raparigas bonitas levantam-se tarde”, do contista António Sanches; e, é claro, o clássico “Singularidades de uma rapariga loura”, do grande Eça de Queiroz.
Na sessão de autoajuda, saltam aos olhos o best-seller “Raparigas de sucesso: Como vingar na carreira”, de Anna Sellingson. Mas há também o disruptivo “As boas raparigas não sobem na vida: 101 erros fatais à carreira de uma mulher”, de Lois P. Frankel. Na mesma gôndola, vê-se “As boas raparigas vão para o céu; as más vão para todo lado”, de Ute Ehrhardt; e o auspicioso “Código de confiança para raparigas”, de Katty Kay, que promete: “Em breve, serás uma rapariga de ação, pronta a correr riscos que te levarão a viver grandes aventuras e a ultrapassar desafios que nunca antes imaginaste”. Mas fiquei curioso mesmo foi com o “Manual de sexo fantástico para raparigas preguiçosas”, de Anita Naik.
Para os pais e mães preocupados com a formação de suas garotas há, por exemplo, “Educar raparigas: Como ajudar sua filha a tornar-se uma adulta feliz e equilibrada”, de Steve Biddulph. Na sessão juvenil, despontam “Ser rapariga”, de Hayley Long; “Guia de sexualidade para raparigas”, sem referência à autoria; “O livro das raparigas: Como ser a melhor em tudo”, de Guy Macdonald, e o efusivo “Viva as raparigas!”, de Severine Clochard.
Melhor ainda devem ser “Sou rapariga e adoro!”, de Áurea Ataíde; ou “O livro de ouro das raparigas prendadas”, de Sarah Vine e Rosemary Davidson. Enquanto isso, acho que aquele revelador “Sou uma rapariga do Liceu”, de Odette Saint-Maurice, daria muito o que falar no Ceará. Entre os infantis, basta citar “A rapariga que falava com os ursos”, de Sophie Anderson; “Histórias de adormecer para raparigas rebeldes”, de Francesca Cavallo; e a antologia “Uma coleção de histórias para raparigas”.
Mas, livrarias à parte, susto mesmo tomei foi ao entrar no vestiário masculino da academia — no balneário do ginásio, como se diz por aqui — e ler o seguinte aviso, logo à entrada: “Zona livre de raparigas”. Como assim, uma zona (!) livre de raparigas?
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.