A pior epidemia é a da estupidez, da irresponsabilidade, da incompetência

Legenda: A Covid-19, definitivamente, não é uma gripezinha.
Foto: Lightspring / Shutterstock

Nas duas últimas semanas, estive ausente dessas crônicas de terça-feira no Diário. Não por vontade própria, mas pela impossibilidade, então momentânea, de escrever uma frase, construir um parágrafo, compor um texto. A Covid-19 me derrubou. Duplamente vacinado, tive sintomas relativamente leves. Não senti febre, tossi pouco, perdi paladar e olfato apenas por alguns dias.

Um dos maiores incômodos foi — e ainda é — este cansaço que persiste após a mínima caminhada, na subida de um simples lance de escadas, mesmo ao ficar de pé durante tempo superior a quinze minutos. Muito pior, porém, foi uma certa confusão mental no pico da doença, em particular nos primeiros instantes do ciclo viral.

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Não conseguia escrever. Era como se houvesse areia, poeira, névoa no cérebro. As sinapses mostravam-se lentas; os neurônios, embaralhados. A capacidade de concentração, mínima; a memória, comprometida. Tonturas, dores de cabeça, crises de ansiedade. Não, definitivamente, não é uma gripezinha.

Se aqueles eram sintomas considerados leves, imagino o que sofrem e sofreram os familiares e amigos acometidos por quadros clínicos mais sérios. Todos os médicos e epidemiologistas que tenho ouvido são unânimes em afirmar: a dupla dose do imunizante evitou-me complicações e consequências imprevisíveis. Ainda bem, portanto, que eu seja um dos tais “tarados por vacina”.

A propósito, aqui em Portugal, 89,7% da população já está completamente vacinada. É o quarto melhor índice mundial. Com a nova variante à solta, tal número tem sido decisivo para que o aumento exponencial de casos não seja acompanhado por idênticas cifras de internados e casos fatais.

Há poucos dias, um artigo no site da revista estadunidense Forbes destacou a eficácia da experiência portuguesa no combate ao coronavírus. “Por que Portugal cumpre tanto as restrições da Covid 19?”, indagava o texto assinado pela jornalista Christine Ro, especializada em ciência e desenvolvimento internacional.

“Após uma onda devastadora de casos no início de 2021, o país surgiu aparentemente do nada para se tornar um dos líderes mundiais na vacinação”, informa a matéria. Após ouvir fontes abalizadas, a jornalista chegou à conclusão: “Em parte, isso está relacionado a uma forte confiança no governo, em um país que só emergiu da ditadura na década de 1970”.

Institutos de pesquisa indicam que a ampla maioria dos lusitanos apoia a comunicação oficial em relação à saúde pública, por considerá-la “oportuna e confiável”. Enquanto isso, dizem as mesmas pesquisas, muitos poucos dão ouvidos aos negacionismos veiculados nas redes sociais.

Outro dado significativo: 86% dos inquiridos pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, instituição que tem por missão estudar e debater a realidade portuguesa, consideram justificáveis certas restrições às liberdades individuais no contexto da pandemia. Por trás do sucesso de Portugal, conclui o artigo da Forbes, está uma conjunção favorável de ação governamental e credibilidade popular nas recomendações médicas e científicas.

Ao acompanhar pela internet os jornais brasileiros, impossível não deixar de fazer a comparação entre cenários tão distintos. É claro que, por aqui, em Portugal, há os néscios que, por exemplo, se aglomeraram no último sábado em praça pública, sem máscaras e sem quaisquer cuidados de distanciamento social, portando faixas e cartazes contra a vacina e contra a necessidade do certificado de imunização.

Mas nenhum daqueles palermas que no final de semana gritavam palavras de ordem contra a ciência em Lisboa ou no Porto, em nome da suposta liberdade individual, está sentado, como ocorre no Brasil, na cadeira de presidente da República. Nem é um ministro da Saúde que se submete ao papel de reles capacho do dito cujo.

Em suma, Jair Bolsonaro e Marcelo Queiroga, o Capitão Corona e seu assecla, são mais peçonhentos e devastadores do que a própria doença. Afinal, a pior epidemia é a da estupidez, da irresponsabilidade, da incompetência. Pobre Brasil.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.