No cinema brasileiro recente, diferentes ficções buscaram tentar dar conta de temas ligados ao crescimento da fé evangélica no País e a imbricação desse movimento na política e na sociedade. A esta produção, se soma agora o longa “Levante”, de Lillah Hallah, cuja abordagem se singulariza em diferentes níveis. O filme está em cartaz, em Fortaleza, no Cinema do Dragão.
De “Divino Amor” (2019), de Gabriel Mascaro, a “Medusa” (2023), dirigido por Anita Rocha da Silveira, retratos feitos apostavam em dar uma camada “futurista” à abordagem, destacando aspectos distópicos. Além disso, os dois exemplos citados também desvelam as narrativas a partir do ponto de vista “de dentro” das comunidades religiosas.
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Premiada coprodução entre Brasil, França e Uruguai, “Levante” vai de encontro às propostas dessa produção anterior não somente ao focar no contemporâneo, mas também por contar uma história que se desenvolve em outro tipo de coletividade.
Na trama do filme escrito por Lillah Halla e María Elena Morán, acompanha-se a adolescente Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem de 17 anos que compõe um time de vôlei que reúne atletas de gêneros, raças e sexualidades diversas sob o comando da técnica Sol (Grace Passô).
A contemporaneidade de “Levante” é acentuada pelas diversidades presentes na equipe — que conta de maneira natural com pessoas trans e não-binárias, tanto entre personagens como no elenco — e também por diferentes elementos visuais, sonoros e técnicos — das músicas que compõem determinadas cenas à verve da montagem.
O mote da narrativa do filme se dá quando Sofia, que é destaque da equipe, recebe um convite para uma oportunidade de deslanchar na carreira como esportista fora do Brasil ao mesmo tempo em que um fato inesperado e não planejado se impõe: uma gravidez.
A partir desse contexto, “Levante” se desenrola acompanhando os caminhos — ora tortuosos, ora marcados por apoio — pelos quais Sofia, decidida a interromper a gestação, passa para lidar com a questão e, ainda, com as reações exteriores de quem a rodeia.
Sem compartilhar a situação, inicialmente, com muitas das pessoas próximas, a jovem opta por buscar na internet meios de efetivar um aborto. Sozinha, vai a uma clínica que aparenta poder ajudá-la, mas nela encontra uma abordagem conservadora nos profissionais — aspecto que, sem dar mais detalhes, se aprofunda e ganha relevo no decorrer da trama.
O pai da jovem, João (Rômulo Braga), por sua vez, acrescenta complexidades ao processo: ao tomar conhecimento da situação, ele reage de maneira culpabilizadora, apesar de ter sido inicialmente apresentado como companheiro e apoiador da filha, tendo criado sozinho a menina após a morte da mãe dela.
Já as amizades do time, de forma natural, se mostram dispostas a auxiliar Sofia na própria escolha. É entre integrantes da equipe que a personagem encontra não somente a principal fonte de acolhimentos sem julgamentos, mas também uma série de pessoas dispostas a agir concretamente para ajudá-la.
Não é por acaso, por exemplo, que a obra brinque com a polissemia do termo que a nomeia: “levante” se refere ao fundamento do levantamento, presente no vôlei, mas também diz sobre uma insurreição coletiva em prol de uma demanda ou questão em comum.
Entre sentimentos de compreensão, aceitação e culpabilização incutidos em Sofia, “Levante” desvela desafios emocionais, estruturais e burocráticos de um processo para um aborto no Brasil. A situação proposta pela obra funciona, ao mesmo tempo, como registro realista e simbólico do debate feito no país sobre os direitos reprodutivos das mulheres.