“Existe uma ausência muito grande de cinematografias trans realizadas por pessoas trans”, atesta a pesquisadora, atriz e realizadora Noá Bonoba. Em pesquisa que empreende sobre transgeneridade e cinema, a cearense mapeou menos de 10 longas de ficção realizados por pessoas trans e travestis na história do cinema brasileiro.
“Isso é muito expressivo, é um dado que todo o mercado precisa olhar e criar maneiras de revertê-lo”, conclama a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC.
Nos próximos dias 18 e 19 de dezembro, Noá ministra pela plataforma on-line Brava o curso “Cinematografias trans: redes de amparo e coletividades estratégicas”. Na formação, aborda debates e demandas sobre as “presenças ausentes” de pessoas trans e travestis no audiovisual do país, bem como ressalta ações e movimentos que buscam concretizar presenças plenas.
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As demandas para tanto, destaca a pesquisadora, passam por uma modificação “radical” da estrutura do audiovisual, envolvendo redistribuição de acessos, políticas e recursos. “É importante discutir empregabilidade dentro das equipes em todas as funções”, aponta Noá.
“A gente teve um avanço desde o manifesto ‘Representatividade Trans Já’, de 2017”, reconhece a pesquisadora, citando a ação levantada pela atriz Renata Carvalho no Movimento Nacional de Artistas Trans (Monart). À época, a luta era por contratação de pessoas trans para interpretar personagens trans.
“Entendo que nossa tarefa enquanto militância é dar continuidade a esse processo que tem resultados significativos: a discussão em torno do transfake foi modificando o cenário do audiovisual. Foi um ponto de partida e entendo que nosso papel é dar continuidade e expandir esse pensamento em torno de uma construção expressiva”, elabora Noá.
Tal expansão consiste em “pensar toda a estrutura de um filme”. “A cinematografia é composta por quem está segurando a câmera, pensando o roteiro. Isso modifica completamente a experiência da espectatorialidade, então não tem como pensar uma cinematografia trans sem modificar radicalmente essa estrutura”, avança.
O uso do termo “radical”, explica Noá, diz respeito à urgência das demandas. “Quando a gente fala de radicalismo, fala de ações que respondam de fato à falta e à ausência, que possam de fato ser efetivas no lugar da urgência da modificação”, afirma.
Além das mudanças práticas, há também as simbólicas, ligadas a imaginários e repertórios limitados construídos sobre a população trans e travesti. Estes são descritos pela pesquisadora como “repetições, padrões e discursos” comuns no audiovisual produzido por pessoas cisgênero.
“A gente mapeia os estereótipos para entender: eu quero usar? Como? Quero criar uma cena repetindo esse processo ou quero sabotá-lo?", destrincha. Ter consciência de tais repetições ajuda a buscar a construção de imaginários diversos e não limitados.
"Precisa-se ter uma tomada de consciência de que a utilização de um elemento produz discurso. A importância de mapear estereótipos e repetições é para se criar uma diferença discursiva”, aponta.
“O mapeamento dos estereótipos é importante para a gente entender o que a cisgeneridade já fez, como ela retratou a transgeneridade e como eles influenciam na forma como toda uma comunidade vai olhar para a gente e entender equivocadamente nossas existências”, elabora.
A pesquisadora ainda avança: “É para fortalecer nossas cinematografias e não só repetir um padrão que dissemina perspectivas que não dão conta das nossas diversidades e multiplicidades”.
Das mais práticas àquelas ligadas a subjetividades, as demandas são fortalecidas, ressalta Noá, a partir de ação coletiva — daí o destaque, no nome do curso, ao amparo e à estratégia pensada e concretizada em rede. Entre os movimentos organizados e institucionais do tipo no Brasil, está a Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (Apta).
“A importância de uma associação é fazer com que uma indignação e um incômodo pessoal se transformem em uma estratégia coletiva. A coletividade consegue pensar estratégias efetivas e criar redes de amparo”, destaca.
“O adoecimento é coletivo e a gente precisa entender o que está adoecendo. A associação chega para dar um suporte, acolher, mas também transformar essas questões em coletivas para pensar formas de agir efetivamente nessa mudança estrutural. São processos de cura mais coletivos do que individuais”, finaliza.
Quando: dias 18 e 19 de dezembro, de 19 às 21 horas
Onde: Zoom, com aulas ao vivo; haverá emissão de certificado para quem assistir sincronamente; será possível acessar gravações das aulas por até um mês após a realização do curso
Quanto: contribuição consciente a partir de R$ 50 (mínimo)
Inscrições: na plataforma Sympla
Mais informações: no Instagram @brav.a_