Apostadores em ‘bets’ têm o nome sujo e estão nas classes C, D e E: ‘Apostam o dinheiro do aluguel’

Oito em cada dez possuem dívidas e seis em cada dez estão com o nome sujo

Legenda: Gastos dos brasileiros com apostas esportivas está esfriando o consumo de mercadorias e serviços
Foto: Shutterstock

As apostas esportivas online ou simplesmente bets caíram no gosto do brasileiro há alguns anos e furaram a bolha dos aficcionados por esporte. O movimento, entretanto, tem chamado a atenção não somente por isso, mas pelo perfil de quem aposta: 8 em cada 10 jogadores possuem dívidas e seis em cada 10 estão com o nome sujo.

Os dados integram pesquisa do Instituto Locomotiva realizada entre os dias 3 e 7 de agosto deste ano e divulgada nesta semana. Além disso, os apostadores são predominantemente das classes econômicas C, D e E (79%). Apenas 21% são das classes A e B.

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Esse mesmo levantamento também mostra que 22% dos apostadores das bets possuem dois cartões de crédito e 25% possuem três cartões de crédito. Os homens representam 53% desse público e 41% dos jogadores possuem idade entre 30 e 49 anos. Outros 40% possuem entre 19 e 29 anos e 19% possuem 50 anos ou mais.

Mais presente na vida de quem possui menos poder econômico, conforme mostra a pesquisa, as bets estão preocupando não só pelo potencial impacto negativo na vida dos apostadores, mas pelos efeitos que vêm sendo observados na economia brasileira.

Segundo a empresa de consultoria PwC Strategy& do Brasil, os gastos dos brasileiros com apostas esportivas, sobretudo das classes socioeconômicas com menor poder aquisitivo, está esfriando o consumo de mercadorias e serviços em um momento em que os juros (Selic) não estão em seu maior patamar e o mercado de trabalho apresenta números mais positivos.

Ainda de acordo com a consultoria, esse movimento tem afetado a percepção de melhora desses indicadores relacionados à melhora da economia e que os gastos já superam despesas discricionárias, como lazer, culturas e produtos pessoas, começando a impactar o orçamento destinado à alimentação.

A percepção inclusive foi corroborada pelo diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, que durante o evento Finance of Tomorrow, no Rio de Janeiro, comentou que parte do aumento da renda, que não tem se convertido em consumo ou poupança, pode estar indo para esse tipo de atividade.

'Bets' x jogos de azar

As bets são regulamentadas desde a sanção da Lei 14.790/2023, no início desde ano. Nesse tipo de aposta, o interessado aposta determinado valor em um evento esportivo, esperando que determinada parte envolvida, como um time de futebol, por exemplo, vença a partida.

Apesar de comumente relacionada ao futebol, as bets abrangem uma variedade de esportes.

Há quem aposte nesses eventos esportivos contando com a sorte e quem baseie seus movimentos de apostas em uma série de fatores, como desempenho dos jogadores e do time e outras variáveis.

Lidando com apostas esportivas desde 2019 e ofertando consultorias no ramo, uma fonte ouvida pela reportagem que prefere não se identificar explica que, nas bets, são ações de seres humanos nos jogos que vão definir se o apostador vai ganhar ou não, o que diferencia a atividade de jogos como o do "tigrinho" ou do "foguetinho".

Apesar de defender as apostas online, a fonte pondera que é preciso responsabilidade e ter noção de educação financeira para não se deixar ser dominado por esse universo.

Ele mesmo lembra que já chegou a perder R$ 8 mil em apostas na época da Copa do Mundo, em 2022, momento em que ele reconheceu que "não estava bem psicologicamente, deixando que isso afetasse suas atividades no mercado de apostas".

"Foi quando parei, respirei, dei uma pausa, analisei o que tinha feito e recomecei", explica. Ele lembra que uma vez investiu R$ 12 mil, chegou a perder metade desse valor investido, mas manteve a calma e recuperou. "No fim do mês, estava com R$ 14 mil", diz.

Riscos envolvidos

O influenciador de finanças, mestre em Antropologia Financeira e colunista do Diário do Nordeste, Alberto Pompeu, alerta que o risco de cair em um vício é enorme, principalmente para os mais pobres e com menos informação, que acabam sendo ludibriados por uma promessa de dinheiro fácil e rápido.

“Infelizmente as pessoas são enganadas devido a ignorância, falta de conhecimento e desespero”, afirma Pompeu.

Sobre os dados da pesquisa do Instituto Locomotiva, ele acredita que muitos buscam essas atividades já endividados justamente vendo as apostas como uma oportunidade de ganhar dinheiro e sair das dívidas.

“As pessoas entram nisso achando que é investimento e cavam ainda mais esse buraco de dívidas”.

Pompeu revela que ele próprio, inclusive, já efetuou apostas esportivas. “Como ex-apostador eu posso te dizer que não vejo vantagem alguma em apostar. É um negócio viciante”, diz.

“Traz impacto negativo, vicia, desrói famílias, destrói patrimônio, então eu, sinceramente, não gosto do termo ‘apostar com responsabilidade’. Sou totalmente contra aposta de qualquer tipo”.

‘As pessoas estão se matando por dentro’

A empresária Jéssica Lobo infelizmente viu e vê de perto o que o vício em apostas tem feito não só com o patrimônio, mas com a saúde mental e a vida de famílias. A irmã, Maria Camila da Paz, de Missão Velha, tirou a vida aos 39 anos, em 2023, após perder todo o dinheiro da família em jogos de aposta.

Após o ocorrido, Jéssica se dedica a ajudar famílias que passam pelo mesmo dilema. “Hoje criamos uma comunidade no WhatsApp com psiquiatra e psicólogo, estamos lutando para conseguir ajuda para ter uma sede e ajudar essas pessoas”, diz Jéssica.

Além disso, o grupo tem um projeto para criar um aplicativo que ajude os viciados a ficarem longe desse tipo de atividade. “Temos uma vaquinha rolando para custear o aplicativo”.

Ela revela que o perfil dos que procuram o grupo pedindo ajuda são, em maioria, mulheres. “É cada história surreal, as pessoas estão se matando por dentro, afundadas, a questão de acreditar que elas podem recuperar tudo o que perderam faz com que elas venham a apostar novamente. E elas apostam muitas vezes o dinheiro do aluguel, do mercado”.

Ela lembra que uma das pessoas que a procurou chegou a peder R$ 5 milhões.

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