Lideranças nacionais, da direita à esquerda, incorrem no equívoco de se utilizar da religiosidade e acabam reforçando estereótipos que não servem mais ao Estado e ao Nordeste
No último fim de semana, a imagem do ex-ministro Sérgio Moro (Podemos) cumprindo ritual religioso de dar três voltinhas ao redor do cajado da imagem de Padre Cícero em Juazeiro do Norte, no Cariri, correu as redes sociais. Moro está iniciando a jornada como pré-candidato à Presidência da República e precisa quebrar a formalidade de um ex-juiz para se mostrar uma pessoa “do povo”. É preciso, entretanto, compreender melhor a região.
A estratégia, repetida por políticos de distinas ideologias - da direita à esquerda, de Dilma a Alckimin, passando por Bolsonaro – aposta na imagem de um Ceará místico e de um estereótipo do Estado e da Região Nordeste como um local dos romeiros, da seca, com aposta na apropriação de elementos simbólicos como as imagens religiosas e o tradicional chapéu de cangaceiro.
Isso acaba explicando, em parte, a romaria de políticos ao Cariri que se repete quando se aproximam as eleições. Na mesma semana, a região recebe a visita de dois concorrentes ao Palácio do Planalto. Depois de Moro, o presidente Jair Bolsonaro desembarca nesta terça-feira (8). Ele terá, inclusive, a chance de desfazer o episódio desconfortável em que se equivocou sobre a origem do Padre Cícero.
Ao tentar se utilizar dos elementos típicos da região para supostamente se aproximar das pessoas, as lideranças nacionais – principalmente do Sul e Sudeste do País - cometem o equívoco de remeter a uma imagem ultrapassada do Ceará, cujas referências remontam à década de 1960 e com elementos que servem muito mais para reforçar esse estereótipo do que criar empatia no público local.
“Dificilmente, você vai ver um pré-candidato desses vindo visitar aqui uma escola de tempo integral (que estão entre as melhores do País), num projeto de agricultura irrigada. Não vão ouvir os médicos, os cientistas. Parece que para tentar criar uma identificação precisa ir lá tomar a bênção ao Padim”, diz o cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte, em contato com esta coluna, ao fazer uma reflexão sobre a prática.
Para ele, esse tipo de manifestação acaba não sendo vista com simpatia pelos eleitores locais. "A gente percebe que as pessoas acabam levando mais na chacota e, frequentemente, acabam os políticos que se utilizam da prática virando memes nas redes sociais", reforça.
Compreensão das demandas locais
No sentido da reflexão do especialista, mais do que se utilizar dos elementos populares, as lideranças deveriam compreender melhor os costumes e as necessidades deste povo.
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro recebeu uma imagem de Padre Cícero e a exibiu como um troféu aos aliados.
Meses depois, em situação inusitada, Bolsonaro não sabia nem qual a origem do religioso, se pernambucano ou cearense.
O Ceará e o Nordeste atual despontam com outras características, com educação de referência, pesquisadores de alto nível, território das energias renováveis, ou seja, com outro potencial. Para se aproximar dos eleitores daqui é fundamental que as lideranças nacionais compreendam melhor as novas necessidades os novos hábitos.