Por que o Ceará pode se tornar um polo produtor de combustível sustentável de aviação?

Legenda: No Brasil, a nossa Embraer também estimulará a produção de SAF
Foto: Shutterstock

O Ceará terá uma enorme janela de oportunidade nos próximos anos para se tornar um grande polo produtor de combustível sustentável de aviação.

Por que esse combustível sustentável de aviação (do inglês SAF) é relevante?

Segundo o periódico inglês The Economist, voar corresponde a 2% de todas as emissões de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis, muito mais do que a contribuição da aviação comercial ao PIB do mundo: “voar é um negócio sujo”. 

Como as pessoas amam voar, porém, a IATA entende que até 2050, 10 bilhões de passageiros voarão anualmente: hoje são “apenas 4 bilhões de pessoas”. Assim, ainda segundo o The Economist, a Boeing prevê que a frota mundial deverá se expandir de 26000 aviões, para 47000 até 2040.

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É ótimo para nós que amamos aviação e para quem se vale dela, porém será ainda pior para o planeta à preço de hoje, se nada for feito: imaginem o mundo com o dobro da frota atual com o mesmo ritmo de emissões.

Assim, algo precisa conter ou desacelerar esse vetor alado de emissões. Dado que a total descarbonização do setor é algo difícil de se conseguir ainda, dada a necessidade de maior amadurecimento de tecnologias e redução de custos, o que o setor prevê é o incremento da utilização de combustíveis sustentáveis, que não é totalmente livre de carbono, porém emite até 80% menos que o querosene de aviação convencional.

Esse combustível é proveniente, por exemplo, de fontes como gorduras vegetais e animais e pode ser misturado com o querosene convencional. A gigante Boeing, por exemplo, já informa que até 2030, adaptará todos os seus aviões a operarem com SAF. Já houve voos de testes no Brasil com esse combustível.

No lado do Brasil, a imprensa também já divulgou que a nossa Embraer também estimulará a produção de SAF. O governo brasileiro inclusive, na semana passada, enviou ao Congresso, projeto de lei que estimulará, já a partir de 2027 que o querosene de aviação já contenha 1% de SAF: “Pela nova política, os operadores aéreos ficam obrigados a reduzir as emissões de dióxido de carbono entre 1% a partir de 2027, alcançando redução de 10% em 2037. Essa redução será alcançada pelo aumento gradual da mistura de SAF ao querosene de aviação fóssil.” 

Ok, mas onde entra a janela de oportunidades para a produção de SAF no Ceará, bem como um possível protagonismo?

1) Hidrogênio verde

Os combustíveis sustentáveis de aviação são produtos drop-in, isto é, não requerem grandes adaptações às aeronaves, por serem idênticos quimicamente aos hidrocarbonetos fósseis. A utilização de SAF em certas aeronaves como o 737-Max da Boeing é algo “plug and play”.

Ou seja, no estágio atual de transição energética, é algo muito mais realista formar querosene sintético com esse viés ecológico do que mudar toda uma indústria para viabilizar aeronaves movidas diretamente a hidrogênio, os custos ainda são muito altos. 

A cadeia da aviação ainda não está pronta para conceber aviões comerciais grandes com tanques de hidrogênio líquidos ou gasosos, por exemplo.

Por outro lado, o hidrogênio pode ser usado como produto para viabilizar a produção desse SAF.

No Ceará, o hidrogênio será verde e terá aqui o menor custo de produção do mundo (U$ 2 dólares por quilo), segundo fontes como Bloomberg NEF, quando citam alguns diferenciais do Porto do Pecém cearense, bem como o gigante potencial de produzir energia a partir de fontes renováveis como solar, eólica, hidrelétrica (Brasil).

Portanto, no Ceará e no Nordeste, o H2V poderá ser produzido por vias totalmente sustentáveis, descarbonizadas, ao menor preço, premissas que habilitariam o estado a receber plantas de produção em escala de jet fuel.

No processo conhecido como “power-to-liquids”, o querosene SAF é liquefeito e pode se misturar ao querosene convencional (formando um blend) com características sustentáveis.


Figura 1: Fonte AIRBUS

Companhias aéreas brasileiras, como a Gol, apoiam irrestritamente o SAF, tanto que já compram no exterior para que empresas estrangeiras voem com blends de combustíveis sustentáveis, podendo assim, se valer de créditos de carbono: estratégia Book&Claim. 

Dessa forma, o H2V conjugado com métodos coerentes de captura de CO2 (dióxido de carbono) é uma via promissora de produção de querosene não oriundo de fontes fósseis. Tivemos inputs de especialistas que reputam ao Ceará um dos melhores locais do mundo para a captura de CO2.

O estado (Governo) precisa apostar nessa missão de atrair essa indústria.

2) A presença de gigantes no processo

A PETROBRAS está novamente voltada para energias renováveis. O Presidente da companhia cita investimentos em hidrogênio verde, eólicas offshore (energia dos ventos extraída em alto-mar)

A imprensa dá conta que a companhia brasileira entrou com pedidos para licenciamento de 23GW de eólicas offshore, em áreas como Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte. A futura capacidade instalada chega a ser 1/3 da energia consumida pelo Brasil em 2023.

Assim, após anos de grande ênfase em combustíveis fósseis, a petroleira brasileira anunciou a criação de uma Diretoria de Energias Renováveis, tendo a cidade de Natal-RN, no Nordeste, como foco.

A gigante brasileira estaria priorizando outros tempos, buscando descarbonização em níveis mais relevantes. A empresa está inclusive se posicionando com grande empresa cearense do ramo eólico com presença no Complexo Industrial do Porto do Pecém-CE, ou seja, a PETROBRAS está novamente buscando ser uma empresa de energias.

A gigante estatal já possui grandes refinarias convencionais que produzem combustível de aviação, porém acabou de vender um polo produtor no RN, a Refinaria Clara Camarão

Se a PETROBRAS escolhe, alternativamente, também produzir combustível de aviação a partir de meios descarbonizados, o jogo muda fortemente de patamar, e o cenário passa a ter o “patrocínio” da maior empresa do Brasil, além de se inserir novamente no mercado de querosene da região no nordeste setentrional.

O timing para o lançamento de plantas produtoras de SAF parece se avizinhar dada a grande adesão ao tema ESG no meio aeronáutico.

3) ITA Energia, ITA Futuro

O SAF através do uso de H2V (hidrogênio verde) é um processo que precisa se aprimorar em vários aspectos. Não existe por exemplo, produção em larga escala. Os processos precisam ser aperfeiçoados, certamente, ganhar em economicidade também.

No lado brasileiro, que centro de excelência poderia gestar um centro de pesquisa para combustíveis sustentáveis?

O ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica com seu prometido campus no Ceará.

Imagine que grande e impulsionadora missão teria o “ITA das Energias” (não há um nome definido) em eventualmente promover pesquisa de ponta em conjunto com a PETROBRAS.

O ITA no Ceará poderia exercer o papel que o CENPES (Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da PETROBRAS) tem na cidade do Rio de Janeiro.

Esse é um caso raro de alinhamento aparentemente independente de vários importantes atores e que possuem chance de criar disrupção tecnológica (ultrapassar a fronteira do conhecimento) e ganhos de produtividade:

  • A PETROBRAS cria uma Diretoria de Energias Renováveis com bastante ênfase para o Rio Grande do Norte-RN
  • O Governo Federal e Comando da Aeronáutica buscam criar campus ITA CEARÁ voltado a energias renováveis, um “ITA futuro”, emprestando a nomenclatura de um conhecido, com a melhor vocação do nordeste brasileiro

Imaginem a sinergia entre a maior empresa brasileira e o mais renomado centro de engenharia brasileira.

Várias outras grandes empresas de energia do mundo, bem como universidades, já falam da produção do querosene do futuro. O meio aeronáutico deseja compensar totalmente suas emissões até 2050, não será fácil, entretanto.

O Brasil precisa buscar essa missão!