Mais perto geograficamente, por que os voos do Nordeste para a Europa são mais caros?

Legenda: A TAP Air Portugal informou que, "como qualquer outra companhia, não pratica preços fixos em suas rotas. Os preços obedecem à lei de mercado e flutuam conforme os níveis da oferta e da demanda"
Foto: Hugo R Nascimento/Diário do Nordeste

Em que pese durarem de 2 a 3 horas menos que voos partindo do Sudeste, os voos que partem do Nordeste e se destinam à Europa não obedecem a qualquer lógica de composição de preços e generalizadamente são mais caros que voos saídos de São Paulo e Rio de Janeiro.

O fato de serem cidades mais próximas (Fortaleza, Natal, Recife, Salvador) ao velho continente já conta frontalmente com muitas toneladas a menos de combustíveis em cada voo. Logo, menos custo com combustível.

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Ademais, já contamos aqui como voos saídos de Fortaleza, Natal, Recife (para dizer pelo menos três) podem voar com tripulações simples, ao contrário de voos saídos do Sudeste que se valem de, pelo menos, mais um comandante e de mais comissários. Em Recife, verifiquei que a tripulação de pilotos da TAP, por exemplo, era composta apenas de piloto e co-piloto.

Assim, ao contrário do que qualquer orçamento e composição de preços, observamos voos nos dias 4 e 9 de dezembro para voar em fevereiro e março do próximo ano e o Nordeste sempre retornou preços mais elevados para a Europa. Na busca, utilizamos a plataforma de busca por passagens Decolar, que chega a fazer pesquisa em várias companhias aéreas por cada vez.

Analisando acima, entre Brasil, Lisboa, Paris e Madri, o preço de voo direto mais barato sempre está em Guarulhos, quebrando a banca dos orçamentistas de plantão.

Veja também que, nas capitais do Nordeste, a coluna "preço mais barato", que denota voos com conexões no Sudeste, era sempre mais barata ou igual ao preço da coluna "preço voo direto mais barato", ou seja, indiscriminadamente, todos os voos são mais baratos através de escalas no Sudeste.

Ora, voos assim, com conexões, contabilizam o mesmo passageiro em dois voos distintos, ainda que seja um só faturamento, por isso seria comum pensar que voos com conexões deveriam ser mais caros.

No caso da segunda tabela (preços entre Brasil e Paris buscados em 4/12), a Gol (parceira da Air France) oferece voos com paradas em São Paulo por R$ 3.007, totalizando 3 horas de Fortaleza até São Paulo mais 12 horas de São Paulo até Paris com a companhia KLM. Esse valor deverá remunerar 15 horas de voos no total.

Já no voo direto com Air France, o preço era R$ 4.254 por menos de 9h de voos: um grande negócio... para a companhia aérea;

Procurada, a Air France informou que "os preços variam de acordo com uma série de circunstâncias, como oferta x demanda, preços de dólar e combustível e outros custos operacionais. Variações de preço são esperadas na maioria das indústrias."

Na minha opinião, está claro que o preço de um bilhete é basicamente um preço de oportunidade, oportunista (dado que há quem pague), penalizando destinos mais próximos de Lisboa, que possuem menos ofertas de assentos, que Rio e São Paulo, por exemplo.

Em conversas que tivemos recentemente com a Fraport, administradora do Fortaleza Airport, informou que “Companhias aéreas estão surfando o momento do mercado, elas estão cobrando por mais conforto, ou seja, que é não ter que ir até o Sudeste para chegar à Europa, por exemplo”.

Composição de custos

Dado que o custo do ticket, bilhete é da ordem de 35% o preço do combustível, informação propagada aos 4 ventos, Guarulhos deveria ter o preço mais caro, pelas quase 10 horas de viagem até o destino mais próximo: Lisboa. Sem mencionar que um avião mais pesado consome naturalmente mais combustível pela necessidade que este tem de angular mais suas superfícies de controle no profundor (cauda do avião) para voar nivelado (arrasto de trimagem).

Assim, todos os bilhetes no Nordeste deveriam ser mais de 20% mais baratos que o preço de Guarulhos, pelo menos: 35% (combustível) * 70% (voos mais curtos) = 21,5%. Com a vantagem de menos tripulação, os voos nordestinos deveriam ser ainda mais baratos.

No caso acima do voo de Paris direto, caso o preço base fosse o voo Guarulhos-Paris (R$ 2.868), o preço do voo Fortaleza-Paris sairia por R$ 2251,38, um desconto de quase 50% no preço cobrado. Amigo, viria gente do País todo para voar de Fortaleza, essa deveria ser a lógica.

Isso faria com que mais demanda do Nordeste (re)surgisse e mais voos aparecessem pelo menos aos níveis de 2019. Porém, como o voo do Sudeste é mais barato, compensa ao passageiro “descer” para pagar menos, para “subir” ao Velho Mundo

Esse é inclusive um fator que alimenta os voos internacionais e os hiper concentra no aeroporto de Guarulhos, como já contamos. Há um sistema que força esse deslocamento em excesso de pessoas, ao invés de fazê-los voar diretamente com a adição de novos voos.

Portanto, o Nordeste é um baita negócio para companhias que ligam a região com voos internacionais. Uma mina de ouro.

Ademais, cidades como Fortaleza e Recife transportam, em média, com a portuguesa TAP mais carga por voo que Guarulhos e Galeão, da mesma forma, Fortaleza com a Air France, o que é mais fonte de receita para as companhias (ANAC).

Ainda assim, preços mais caros, penalizando os passageiros nordestinos que buscam voar direto. Demanda há aos montes. Já comentamos até 40% dos assentos com voos internacionais saindo de Guarulhos, são de outras regiões do Brasil.

Esses, ao irem ao Sudeste, estão buscando caminhos com preços mais baratos. Certamente, mais voos pelo Nordeste com preços mais baratos atrairiam esse excesso de demanda e traria mais retorno para as empresas, já que os custos envolvidos nas operações por aqui são menores.

Com isso tudo, as ocupações de voos rumo à Europa no Nordeste são altíssimas, beirando a média de 90%, além de alta quantidade de carga no porão das aeronaves.

Caso Natal-Lisboa

Natal-Lisboa é um caso emblemático de como foram implementadas formas para baratear custos de companhia aérea, ao arrepio, porém, dos preços caros de passagens. É que lá é utilizada há alguns anos uma aeronave de fuselagem estreita até Portugal, o Airbus 321 Long Range.

A aeronave é de menor capacidade que o Airbus 330 (aeronave historicamente utilizada) e, também, de menor peso, por isso, necessitando de muito menos combustível a bordo. O A321 LR tem peso vazio de 48 toneladas; o A330, de 120 toneladas.

Embora pese quase 2/3 menos em peso vazio, o A321 LR na configuração da TAP em Natal transporta mais da metade da capacidade do A330: 168 passageiros contra 269 passageiros. Isso é eficiência.

Além disso, o A321 necessita menos da metade do combustível necessário para chegar até Lisboa. Esse é o avião que permitirá aumento de frequências em Fortaleza e Recife.

Por todos esses motivos, Natal deveria ter o preço mais barato do Nordeste em termos de voo direto para Lisboa, porém, o que vimos para o voo de 4/2 e em outras datas é o oposto: praça mais cara.

O valor de combustível dividido pela quantidade de passageiros deixa claro que a passagem com o A321 LR deveria ser também mais barata que as outras praças do Nordeste, que não usam a aeronave de fuselagem larga (A330). É para isso que foram concebidos, para serem mais eficientes e resultarem em menos custos para as companhias.

Daí o que se vê, entretanto, é o preço de oportunidade. Natal tem o avião mais eficiente para a rota e o preço mais caro para os consumidores.

É o mais direto sinal da ação da falta de concorrência na aviação: cobra-se o que quer, voa quem pode.

Em nota, a TAP Air Portugal informou que, "como qualquer outra companhia, não pratica preços fixos em suas rotas. Os preços obedecem à lei de mercado e flutuam conforme os níveis da oferta e da demanda. O exemplo de um dia apenas não capta toda a flutuação de preços nas diversas rotas operadas pela TAP no Brasil".

Sinais de aquecimento das rotas

Entendemos que nos próximos anos haverá ainda mais penetração de aeronaves de fuselagem estreitas (narrowbodies) realizando voos transatlânticos entre Europa e Brasil. Acontece, porém, que as candidatas a essas operações são limitadas. Mesmo o A321 XLR não permitirá ligar São Paulo a grandes porções da Europa e dos EUA, por exemplo.

Assim, será mais uma chance que Norte e Nordeste brasileiros terão para emplacar mais e mais voos transatlânticos.

No Ceará, inclusive, a legislação já prevê também benefícios fiscais para aeronaves de um corredor também, com o fim da previsão expressa de voos internacionais apenas com aeronaves largas.

Essa maior penetração pode ser percebida agora quando a TAP, em medida inédita, terá 10 frequências semanais em Fortaleza na alta estação. Isso significa 3 dias na semana com dois voos diários entre o Ceará e Lisboa.

Falando das aeronaves de corredores duplos, o aumento de assentos da Air France com o Airbus 350 é um sucesso em pouco mais de um mês: todos lotados.

Para o médio prazo, torcemos que de fato companhias nacionais entrem no mercado Nordeste-Europa, como parece desejar a Latam com a chegada dos A321 XLR.

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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

 



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