O Aeroporto de Guarulhos tem assumido ainda mais protagonismo internacional pós-pandemia, concentrando voos para outros países. O Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, que o diga, pois perdeu voos internacionais e luta até hoje para se reerguer.
A participação do estado de São Paulo em assentos de partida em voos comerciais (sobretudo Guarulhos e Campinas) para fora do Brasil subiu de 64% em 2019, para 69% em média nos 10 primeiros meses de 2023. Piorando o caso, a quantidade de assentos internacionais ainda não voltou ao patamar pré-pandemia. Todos os dados são da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Em média, um mês de 2023 tem 164.700 assentos internacionais a menos que um mês de 2019. Ou seja, concentraram-se mais assentos de partida ao exterior no estado de São Paulo e tem-se menos assentos ao exterior no total.
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Essa redução e concentração acaba causando ainda mais distorções para o passageiro. Como nenhuma companhia brasileira opera voos entre o Nordeste e a Europa, precisei pegar um voo entre Fortaleza e Campinas, aguardar aproximadamente 1 hora e meia em Campinas e então partir para Lisboa, num Airbus 330-200.
O voo saiu de Campinas e passou na vertical de Natal (rumo à Lisboa) após 2h40 de voo. Ou seja, eu cheguei ao aeroporto de Fortaleza para embarcar para Campinas por volta de meio-dia e, aproximadamente às 20h, estava passando praticamente pela mesma latitude de Fortaleza: 8 longas horas após.
Com 7h de voo, eu já estaria em Lisboa tendo saído, por exemplo, de Fortaleza, de Natal, de Recife e, com 7h40, tendo saído de Salvador.
Essa superconcentração de voos faz com que, em média, de 30% a 40% da capacidade dos voos saindo de Guarulhos sejam preenchidos por passageiros que “vêm de outras cidades”. O dado é fortalecido pela fala do CEO da companhia espanhola Air Europa que, na semana passada, informou que os voos da companhia de Guarulhos para Madrid continham 40% de passageiros alimentados por Azul e Gol.
Assim, muitos passageiros são oriundos das mais diversas regiões do Brasil: Sul, Centro-Oeste, Norte, Nordeste, além do próprio Sudeste. Para o Nordeste, sobretudo, esse ato de “descer” ao Sudeste, para “subir” à Europa é dos piores “backtracks” (na aviação chama-se ao ato de tomar o sentido contrário ao de uma pista de pouso e decolagem) que existem, pois se afasta frontalmente de onde se deseja ir.
Por que então ainda temos poucos voos internacionais entre Nordeste e Europa, Nordeste e EUA, para dizer o mínimo?
É importante esclarecer que já tivemos muito mais, estamos numa baixa momentânea de voos pós-pandemia.
Até janeiro de 2020, até a própria Air Europa operava mais de 38 mil assentos por mês entre Brasil e Madri. Na ocasião, voava de Fortaleza, Recife, Salvador e Guarulhos para a Espanha.
Hoje, ainda com os bons resultados, a Air Europa tem média mensal de assentos de quase 26 mil, recuperação de apenas 68% das movimentações pré-pandemia. Ademais, os voos só ocorrem nas bases brasileiras de Guarulhos e Salvador.
Em relação a todos os assentos para Europa, o Nordeste apenas recuperou 73% destes: média mensal de 34.141 em 2023, contra 46.390 por mês em 2019.
Porém, como dissemos, mesmo em 2019, a alta concentração de 63% dos assentos no estado de São Paulo era absurda.
Esse valor é o dobro da participação do estado no PIB brasileiro que é por volta de 30%. Isso quer dizer que, se o Brasil possuía concentração de renda no Sudeste, possui hiperconcentração de voos na região.
Só Guarulhos teve mais de 205 mil assentos para a Europa por mês de 2019, mais de 4 vezes a mais que todos os assentos do Nordeste.
Quando paramos para analisar, todas as quatro companhias aéreas do País são sediadas, ou possuem grandes instalações no estado de São Paulo: Latam, Gol, Azul e Voepass. Além disso, todas têm seus maiores hubs no estado.
Na natureza, hiperconcentrações não são naturais. O natural é a difusão, espalhamento da energia, da matéria.
Assim, essa hiperconcentração de voos não é de todo boa para a região. Primeiro porque a região se satura com a quantidade de tráfegos existentes: dias de pico, vê-se a quantidade de voos realizando esperas, aguardando para pouso. Passei por isso, numa das idas a São Paulo. Passamos 40 minutos orbitando para pousar em Congonhas num domingo chuvoso.
Também porque esses movimentos contabilizam apenas tráfegos comerciais. Nos últimos 30 dias, o Aeroporto de Congonhas foi paralisado algumas vezes por incidentes com aviação geral, causando atrasos na malha comercial no País todo. Tanto que houve restrição de algumas aeronaves de menor porte no mesmo aeroporto.
Sem contar, a região Sudeste é frequentemente atingida por condições atmosféricas que causam transtornos aos voos, como o “fechamento de aeroportos” e a necessidade de pousos em aeródromos diversos. No dia em que contamos que Juazeiro do Norte recebeu o Airbus 321, o voo da volta (para Guarulhos) precisou alternar o aeroporto internacional da grande Belo Horizonte por tempo muito ruim em São Paulo.
Aliás, nesse quesito, o Nordeste tem boas qualidades no sentido de permitir operações perenes ao longo do ano.
Quantidade de conexões
Os grandes aeroportos de São Paulo têm, em média, de 30% a 40% de conexões domésticas realizadas, mesma quantidade vista na informação passada pelo CEO da Air Europa. Essas quantidades inclusive batem com o reporte de conexões internacionais da Latam e da Gol com AirFrance-KLM. Isso quer dizer que em alguns casos quase metade do avião não se destina ao estado de São Paulo, mas precisa encarar conexões locais para a realização de suas viagens.
Daí surgem viagens de 6 horas, 8 horas para se ligar o Nordeste ao Norte do País, por exemplo.
Essa hiperconcentração é a estratégia das companhias aéreas para otimizarem recursos, encherem aviões sempre e terem lucro, ainda que todas sejam muito endividadas.
Nos 10 primeiros meses de 2023, foram mais de 2,25 milhões de assentos de Guarulhos e Campinas para a Europa.
Se consideramos que 30% desses assentos são de pessoas realizando conexões nesses dois aeroportos (menos que Air Europa) para todas as partidas, temos aproximadamente 700 mil assentos vindos das regiões Sul, Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Dividindo por 4, (4 regiões, uma aproximação), o Nordeste teria aproximadamente 175 mil pessoas que decolam do Nordeste via São Paulo para Europa.
Ora, se somamos todos os assentos do Nordeste rumo à Europa em voos diretos de janeiro a outubro de 2023, temos que 341 mil assentos. Ou seja, a região Nordeste ainda poderia ter aproximadamente 50% dos voos diretos que possui a preço de hoje.
Mensalmente, temos um mercado aproximado maior que 50 mil assentos do Nordeste para a Europa, até mais do que havia em 2019, porém, ainda faltam voos. Com isso os preços sobem, viaja quem pode.
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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.