O que é assédio eleitoral nas empresas e como denunciar? Ceará registra casos
Trabalhador pode buscar danos morais e a rescisão indireta do contrato de trabalho
Em tempos de campanha eleitoral, é comum a abordagem em cruzamentos, praças e calçadas de militantes pedindo votos para um candidato. Tudo certo, desde que as limitações legais sejam observadas.
Caso diferente ocorre quando o trabalhador é de alguma forma constrangido pelo empregador a votar, não votar ou adotar uma posição política diversa. Nesse caso, trata-se de assédio eleitoral.
No contexto eleitoral deste ano, com apenas 20 dias de campanha nas ruas e a um mês do 1º turno, o Ceará já registrou 5 denúncias do tipo, segundo o Ministério Público do Trabalho no Estado (MPT-CE). Em todo o País, foram 167. O número deve crescer até outubro, a tirar pelos registros em outros anos.
Em 2022, por exemplo, foram ao todo 66 denúncias que resultaram em 4 Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e 49 recomendações. Em 2023, mesmo fora do período eleitoral, o MPT-CE recebeu 6 denúncias de assédio eleitoral.
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O que é assédio Eleitoral?
O assédio eleitoral pode ocorrer em contextos diversos, não necessariamente no ambiente de trabalho. “É toda forma de extinção, de exclusão, de preferência, de convicção de opinião pública no âmbito da política mesmo. Você pode assediar uma pessoa com coação, com intimidação, ameaça, humilhação, em razão do voto", explica o advogado Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE.
Nas relações de trabalho, o assédio eleitoral é realizado pelo empregador contra o empregado. “É aquele assédio que visa constranger, intimidar, ameaçar, influenciar e manipular o voto”, acrescenta Fernandes Neto. Segundo ele, isso pode ocorrer quando o patrão exige que os trabalhadores usem adesivos em carro, roupas típicas de candidato ou broches, por exemplo. “É constranger a pessoa a apoiar um candidato em razão da relação do trabalho”, resume.
O também advogado Filipe Brayan explica que esse tipo de abordagem costuma ocorrer, em geral, porque “determinado sócio apoia determinado candidato e ele pede para que todos os trabalhadores apoiem e votem e peçam o voto da família para aquele candidato”.
Também é considerado assédio eleitoral, afirma Brayan, "quando o gerente ou o sócio, o proprietário da empresa, força o empregado a participar de determinada campanha, seja fazendo propaganda por vídeo, pedindo voto, ir para a rua ou até mesmo forçando essa pessoa a ficar com o voto de determinado candidato que não seja o dela”.
“O voto e a manifestação política sempre é livre, não existe nenhum tipo de restrição, não existe nenhum tipo de obrigação jurídica que vincule a vontade de uma pessoa de votar ou participar, ou não participar da campanha de um candidato”, alerta.
Como denunciar
Filipe Brayan aponta que denúncias dessa prática podem ser feitas ao Ministério Público do Trabalho e pelos meios de comunicação Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de forma anônima. Ainda, é possível procurar uma delegacia ou até mesmo no sindicato.
No caso do MPT-CE, a procuradora-chefe do órgão, Georgia Aragão, esclarece que, ao receber uma denúncia, é instaurado um procedimento de investigação, onde são ouvidas testemunhas e analisadas fotos e vídeos.
“Se for comprovado, pedimos a regularização e chamamos o denunciado para firmar um TAC, onde a empresa se compromete a não praticar essas ilicitudes”, diz.
E acrescenta: “Caso não haja essa adequação voluntária, ajuizamos uma ACP (Ação Civil Pública) perante a Justiça do Trabalho e pleiteamos não só a tutela para empresa se abster das condutas, mas também dano moral coletivo aos trabalhadores e à sociedade como um todo”.
No caso dos TACs, em caso de descumprimento, é previsto o pagamento de multas. “E, a depender da amplitude da denúncia, dano moral coletivo”, acrescenta Georgia Aragão.
O trabalhador pode denunciar o assédio eleitoral no site do MPT. O sigilo do denunciante é garantido, caso ele opte por não se identificar. Na página é possível juntar fotos e outras provas.
“Até denúncia anônima é possível, mas não aconselhamos porque não podemos notificar o denunciado”, orienta a procuradora-chefe do MPT-CE.
Dano moral e rescisão indireta
Fernandes Neto acrescenta que a denúncia também pode ser feita no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSTJ), como também numa delegacia do trabalho e na Justiça Eleitoral. Segundo ele, a comunicação do delito por parte do empregador pode gerar uma série de consequências na relação de emprego. Por exemplo, o funcionário pode cobrar uma indenização moral e, na esfera trabalhista, uma justa causa para a demissão.
No aspecto eleitoral, dentro da Justiça Eleitoral, pode gerar, desde que comprovado a anuência e a participação, a cassação até mesmo de um mandato de um candidato que participa dessa coação"
Filipe Brayan faz observações semelhantes quanto às sanções aplicáveis em casos de assédio eleitoral. “Primeiro, tem a multa eleitoral, como também pode gerar a perda dos direitos políticos no caso de uma ação de probidade. E até mesmo uma condenação. Em um crime eleitoral a pena vai até 4 anos de prisão", enumera.
Ele também destaca a possibilidade de uma rescisão indireta do contrato de trabalho, que ocorre quando “o empregado demite o empregador e recebe todos os direitos trabalhistas, inclusive a multa do FGTS, como se tivesse sido demitido sem justa causa".
Audiência pública
Na próxima segunda-feira (9), a Comissão Interinstitucional de Prevenção ao Assédio Eleitoral no Estado do Ceará realizará uma audiência pública para discutir as estratégias de atuação contra o assédio eleitoral durante as eleições no Ceará. O encontro ocorrerá às 9h na sede do MPT-CE.
“Convocamos partidos políticos, entidades sindicais e sociedade civil como um todo. Temos por objetivos, além de conscientizar sobre a prática do assédio, firmar o “Pacto Contra Assédio, Discriminação e Trabalho Infantil nas Eleições 2024”, explica Georgia Aragão.
Conforme o MPT-CE, “o documento visa garantir o exercício da cidadania, combater quaisquer formas de discriminação e de assédio eleitoral no ambiente laboral e impedir que condutas relacionadas ao poder econômico, a desvios ou abusos do poder de autoridade interfiram na liberdade do voto”.
A comissão é composta pelo MPT-CE, Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7), Tribunal Regional Eleitoral no Ceará (TRE-CE), Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado (DPE) e Superintendência Regional do Trabalho (SRTE-CE).