Empregado que participar de atos golpistas pode ser demitido por justa causa

Quem participou dos atos golpistas pode ser responsabilizado nos âmbitos criminal, cível e trabalhista

Legenda: No domingo (8/01), centenas de manifestantes invadiram as sedes dos três poderes da República — o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto —, em Brasília
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As imagens vistas no último domingo (8) de pessoas vestidas de verde e amarelo invadindo e vandalizando as sedes dos três poderes da República em Brasília chocaram o Brasil e o mundo. Vídeos feitos durante os ataques, muitos feitos pelos próprios invasores, estão sendo usados para identificar e responsabilizar os envolvidos. 

Agora, além de responderem por participação em ato terrorista, essas pessoas podem ainda ser obrigadas a indenizar os danos materiais que causaram e, ainda, perder o emprego por justa causa. Ou seja, as responsabilizações para o golpismo podem ter consequências criminais, civis e trabalhistas

Com relação à perda do emprego, a demissão só poderá ocorrer por justa causa quando a conduta do empregado estiver prevista e um dos itens do artigo 482 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). 

Ligação com o trabalho 

Uma das hipóteses para que a participação nos atos golpistas justifique uma rescisão de contrato de trabalho por justa causa ocorre quando a conduta do empregado de alguma forma o associe com a empresa, como explica o auditor fiscal do trabalho e professor Luís Freitas. 

"Imagine que o empregado participou desses atos usando a farda da empresa, usando o nome da empresa, divulgando nas redes sociais farda o nome da empresa, vinculando essa atitude dele à empresa. Não tenha dúvida que isso vai ofender a honra, a boa imagem da empresa e pode sim dar uma justa causa”, exemplifica. 

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Faltas constantes 

Outra possibilidade de os participantes de atos antidemocráticos serem dispensados por justa causa é a consequente de faltas ao trabalho para acompanhar essas manifestações. “Mas não é uma única falta, um único dia. Teria que haver uma constância, uma repetição dessas faltas, o que a CLT chama de desídia”, explica Luís Freitas.  

O professor observa, contudo, que as ausências reiteradas não se confundem com o abandono de emprego, pois, neste caso, deve haver 30 dias ou mais de afastamento, ou de não comparecimento à empresa.  

Condenação transitada em julgado 

“Uma outra situação que pode gerar uma demissão por justa causa é a condenação do empregado criminalmente em uma ação que transitou em julgado, que não cabe mais recurso”, acrescenta Freitas. “Essa hipótese”, completa, “é prevista na CLT e não interessa qual é o crime. Pode ter sido praticado contra a empresa, ou não”. Contudo, esse não é, ainda, o caso das pessoas detidas por participarem dos atos golpistas.

"Todas essas pessoas que foram presas serão devidamente processadas e possivelmente condenadas”. Somente após os últimos recursos possíveis, com o trânsito em julgado, é que isso poderá ocorrer.  

Quando o empregado está preso antes disso, o que ocorre é a suspensão do contrato de trabalho, não cabendo justa causa. 

O que o trabalhador deixa de receber na demissão por justa causa 

Na demissão por justa causa, o empregado recebe apenas o saldo de salário, férias vencidas e salário família. “Ele não tem mais os outros direitos, não tem férias proporcionadas, não tem 13º [salário], não saca com Fundo de Garantia, não tem a multa dos 40% e não tem seguro desemprego e nem aviso prévio”, ressalta Luís Freitas.  

A justa causa é uma das punições mais pesadas que o empregado pode receber"
Luís Freitas
Auditor fiscal do trabalho

Provas da infração 

Contudo, para realizar a demissão por justa causa, o empregador deve ter elementos que comprovem a infração. No caso das invasões, podem ser utilizadas como evidências "fotos, vídeos, o que está nas redes sociais, o que o próprio empregado postou, o que está saindo na televisão. Tudo isso serve de prova para que o empregador apure a justa causa empregado”, detalha o auditor. 

Munida de provas, a empresa deve então realizar uma apuração. "A empresa tem que ter um procedimento, tem que ter um regimento, um regulamento de como isso vai te dar. Não é simplesmente ‘peguei a prova, peguei o vídeo, peguei a foto, já efetivamente vou demitir’. Não, tem que haver uma apuração e confirmar se aquelas fotos são verdadeiras, se aquelas fotos comprovaram a participação desse empregado em atos realmente antidemocráticos”. 

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Luís Freitas reforça que "a empresa não pode demitir simplesmente porque acha que o empregado participou, porque viu alguém comentando. Tem que ter a comprovação”. Segundo ele, esse procedimento é necessário porque, em geral, o empregado recorre à Justiça para anular a demissão. 

“Ao empregador cabe o ônus de provar a justa causa. Caso isso não seja comprovado, facilmente o empregado anula na justiça”, diz.  

Demissão sem justa causa 

Para evitar dores de cabeça com processos internos que podem gerar ainda mais dor de cabeça ao empregado, uma alternativa é optar por demitir o trabalhador sem justa causa. “Porque aí é sem motivo, não precisa provar nada. Basta a empresa suspeitar, ouvir dizer, e aí pode demitir sem justa causa e empregado vai receber todos os direitos”, explica. 

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Legenda: Manifestantes usam bandeiras do Brasil e blusas da seleção brasileira
Foto: Reprodução

Servidor público 

No caso de o participante dos atos antidemocráticos ser um servidor público, ele também poderá ser demitido. “Nesse caso a gente não chama de demissão por justa causa porque no serviço público demissão já é punição”, ensina o professor.  

Isso está previsto no Estatuto do Servidor Público Federal, deve estar também nos dos estados e municípios, e ocorre “quando o servidor lesiona os cofres públicos, dilapida o patrimônio nacional, ou mais, quando ele tem uma conduta completamente contra a administração”.  

Ora, se ele é remunerado pela administração, ele não pode agir contra a administração. É como se ele agisse contra o seu empregador. Ele também pode ser punido”
Luís Freitas
Auditor fiscal do trabalho

Para apurar essas ocorrências, deve ser instaurado um procedimento administrativo-disciplinar, “o famoso Inquérito Administrativo”, afirma Freitas, onde é dado ao servidor um amplo direito de defesa e, ao final, caso seja constatado que ele participou desses atos, poderá ser demitido. 

“Terminado esse procedimento administrativo, claro que ele pode também, se não ficar satisfeito e achar que houve injustiça, recorrer ao Poder Judiciário”, acrescenta. 

Justa causa para quem participa de ato contra a segurança nacional não vale mais 

O Parágrafo único do artigo 482 da CLT diz que “constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional”. Contudo, alerta Luís Freitas, apesar de ainda constar na lei, esse dispositivo foi revogado

Esse texto foi inserido na CLT por um decreto-lei em 1966, mas esse texto foi revogado por outra legislação, a Lei 8.630/93. A confusão se dá porque esta lei de 1993 também foi revogada, mas o Direito brasileiro estabelece que “a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”, a não ser que haja disposição em contrário. 

Além disso, lembra o professor, esse artigo não é mais aplicável desde a promulgação da Constituição de 1988. Isso porque alguém só pode ser considerado culpado após um devido processo legal na Justiça, o que impossibilita o empregador de aplicar a medida.  



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