Eu sei que estar sempre no auge mexe com a nossa autopercepção de tal forma que, quando não estamos mais no topo, temos a sensação de que perdemos alguma coisa; pelo menos é o que eu acho, eu nunca estive no topo.
Essa semana ocorreu o desfile da marca Victoria's Secrets, que passou por um hiato de seis anos e, na última terça-feira, reuniu os nomes mais icônicos da passarela: de Kate Mossa à Adriana Lima - além de outras figurinhas carimbadas da marca.
Nesse retorno, a marca trouxe uma cara diferente para o desfile. Não foram só as típicas angels que desfilaram, a Victoria's Secrets tentou trazer diversidade para a passarela. Mulheres mais velhas, mulheres de corpos maiores… pequenos atos que fazem com que a gente quase sinta o gosto da mudança. Uma quase sensação de frescor. Corpos que anos atrás jamais vestiriam sequer uma meia da marca.
Mas a verdade é que se olhar de perto a gente percebe que essa mudança vem com um limite, onde você pode até ser diferente, mas sempre dentro de uma régua muito específica. Colocando um limite nesse limite a gente continua vendo o inalcançável.
Ser uma angel da Victoria's Secrets ainda é inalcançável
Vamos começar pelo mais sintomático: mulheres jovens e magras vestem uma roupa (normalmente, as roupas de baixo mais interessantes, reveladoras e sensuais da marca), enquanto que as mulheres de corpo maior vestem uma outra roupa (muito mais coberta, disfarçando possíveis imperfeições e desconfortos visuais que um corpo grande pode causar). Nas entrelinhas, eu leio: você pode até vestir a minha roupa e desfilar na minha passarela, mas o seu corpo não será o destaque.
A famosa modelo e apresentadora Tyra Banks também participou nesse desfile de retorno, dessa vez, mais velha e habitando um corpo curvilíneo. Para quem não lembra, ela foi apresentadora durante anos do reality show chamado America's Next Top Model. Eu amava, mas ela foi o meu terror durante a adolescência com seus comentários gordofóbicos sobre as modelos participantes.
No desfile, ela foi vestida da cabeça aos pés, com direito até à capa, para que este novo corpo não tivesse tanta visibilidade. Eu, particularmente, tenho dificuldade de sentir compaixão mesmo que hoje ela sofra do mesmo algoz que eu.
Em tempos de ozempic e mounjaro, a gente precisa se questionar: quem cabe dentro dessa pseudo diversidade? De que adianta aderir às pautas das minorias se for pra continuar moldando pessoas? Não sendo propósito, é só mercantilização das dores de alguém.
E você aí pode me perguntar: então, a intenção é fazer um desfile só com pessoas fora do padrão? Sim.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora