Um raio-x da crise da indústria têxtil brasileira

Diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), Fernando Pimentel, em entrevista exclusiva a esta coluna, aponta juros altos, falta de isonomia tributária, concorrência desleal e Custo Brasil como causas das graves dificuldades do setor

Legenda: Fernando Pimentel (foto), diretor-superintendente da ABIT, culpa juros altos e concorrência desleal como causas da crise do setor têxtil e de confecções
Foto: ABIT / Divulgação

Falando com exclusividade a esta coluna, o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), Fernando Pimentel, desenhou a crise por que passa a indústria de transformação do país, com foco no setor têxtil e de confecções, para o que retornou a um passado recente, revelou as causas das dificuldades atuais, que têm a ver com o excesso da produção mundial e com a complacência do governo, que livra de tributos os importados do chamado comércio de pequeno valor, e traçou o caminho pelo qual deve palmilhar a indústria nacional, que na sua opinião, tem produtos e preços para todos os bolsos.

Esta coluna abre espaço para o depoimento do líder da indústria têxtil nacional pela importância do que ele disse e pela dimensão que representa para o Brasil -- o Ceará no meio -- esse setor da atividade econômica. Fernando Pimentel com a palavra:

"Antes de mais nada, temos de olhar a questão da indústria como um todo e não só da indústria têxtil e de confecção. A indústria de transformação do Brasil vem perdendo participação no PIB nos últimos 30 anos. Nós já fomos 25%, 28% do PIB e hoje somos 11% do PIB. No entanto, essa mesma indústria, que representa 11% do PIB, paga mais de 25% dos impostos e contribuições federais. É um setor que tem de investir muito porque intensivo de capital, e as taxas de juros no Brasil não têm sido favoráveis para investimentos. É um setor que enfrenta concorrentes do mundo inteiro, de todos os níveis de desenvolvimento, e muitos deles contam com subsídios e subvenções que lhes são dados, além de não terem todo o aparato regulatório que nós temos.

"É óbvio que esse é um comércio extremamente sensível, com um tamanho de mercado mundial que supera US$ 2,5 trilhões e um comércio internacional da ordem de quase US$ 850 bilhões. O Brasil tem uma série de concorrentes, principalmente da Ásia, que produzem de maneira diferente, tem outros regramentos. Assim, no que diz respeito a têxtil e confecção, ele seguiu infelizmente a tendência da indústria como um todo que veio perdendo densidade por esses fatores que eu citei.

"No período mais recente nós tivemos um segundo semestre de 2020 muito bom, um 2021 também bastante bom e uma parte do 2022 também muito positivo. Isso foi fruto da própria retomada pós pandemia, da abertura dos negócios, das dificuldades do mercado mundial, do custo dos fretes etc, e a indústria brasileira foi capaz de atender a essas demandas iniciais, de maneira muito forte, muito contundente, incluindo toda área médica hospitalar, e tudo isso foi atendido pela indústria brasileira no momento em que faltaram produtos do mundo inteiro, então a indústria teve aí dois anos bons.
 
Mas, a partir do segundo semestre de 2022, ela começou a sentir novamente um clima mundial diferente, com guerras, mudanças na cadeia de suprimento, redução de crescimento em alguns países importantes em consumo, desvio de comércio, uma série de alterações que continuam a impactar o setor, que é um setor, como eu falei, extremamente concorrido mundialmente.

“Se nós olharmos para 2023, o ano foi muito ruim, até agora. Nós tivemos queda na produção de vestuário, tivemos queda no varejo de vestuário e tivemos uma produção têxtil relativamente equilibrada porque o têxtil, além de atender o vestuário em torno de 55% a 60% do que produz, ele atende outros setores, e isso equilibrou, além do fato de as Indústrias terem se ajustado à nova realidade do mercado. 
“Evidentemente que num quadro como esse, de falta de isonomia tributária e com as plataformas internacionais – um fato muito marcante em 2022 e que continua em 2023 – isso vem prejudicando bastante a indústria. Essas encomendas, inicialmente, não estavam desgravadas até US$ 50, exceto para presentes que uma pessoa física enviava para outra pessoa física. Agora sim, elas estão desgravadas em até US$ 50 dólares, e isto tem trazido uma perda enorme para a indústria e para o varejo brasileiro brasileiros. US$ 50 são R$ 250. O kit médio brasileiro é abaixo disso, então tudo que vem nessa proporção impacta diretamente, pois não paga os impostos federais que nós temos de pagar. Então, há uma falta de isonomia tributária absurda, eu nunca vi algo dessa natureza, pois você está subvencionando a produção estrangeira em detrimento da produção brasileira.

“Também cresceu a importação de produtos têxteis de forma convencional por meio dos contêneres. Por que isso está acontecendo? Ora, o mundo vem tendo problemas, como eu falei, de guerras, questões de geopolíticas, restrições de comércio com os Estados Unidos, o maior mercado do mundo – não é à toa que o México passou a ser o maior exportador para os Estados Unidos – a China buscando mercados para os seus excedentes produtivos, países que estão passando por problemas também e que são fortes competidores nesse mercado, tudo isso fez com que a importação do convencional de vestuário crescesse mais de 25%. Então, nós vamos atingir a maior participação dos produtos importados no consumo aparente brasileiro neste ano de 2023.
 
“Normalmente, as grandes cadeias tinham aí em torno de 30% a  35% que elas oferecem através de produtos importados, e no mercado como um todo ficaria aí em torno de 15%, 16%, 17%, e neste ano nós vamos a mais de 28%,e eu não estou considerando aqui a  questão das plataformas internacionais que não estão contabilizadas nessas estatísticas oficiais.

“Eu diria que hoje o consumo aparente das pequenas encomendas que vêm através das plataformas internacionais representa algo em torno de 3% a 4% do consumo aparente nacional. Então, cerca de 30% do consumo brasileiro de confeccionados neste ano, concentrados no vestuário, vão se dar por produção estrangeira, e essa produção estrangeira, de novo, tem subsídios, tem incentivos, tem juros mais baratos, e nós temos o chamado Custo Brasil, medido por nós junto com outras associações, que mostra que produzir no Brasil custa R$ 1,7 trilhão a mais por ano do que a média dos países da OCDE, o que  dá 17% do PIB. Isto é o peso morto que nós carregamos por conta do custo da empregabilidade, da insegurança jurídica, da insegurança física e patrimonial, infraestrutura deficiente, custo de capital, tudo isso trazendo uma piora na nossa capacidade de competir, de enfrentar o mundo não só no setor têxtil e de confecção, mas também nos outros setores industriais.

“Nossa indústria tem produtos de todos os preços. Tivemos um impacto de custos muito alto em 2021 e 2022. O algodão atingiu preços estratosféricos como não se via havia mais de 10 anos, e isso acabou chegando aos preços do varejo. É óbvio que um preço mais alto inibe o consumo, e os preços internacionais, dos importados, não tiveram esse mesmo aumento por conta desses excedentes que têm aí em países que competem conosco de forma desigual e desleal. Então nós estamos, por um lado, carregando o custo estratosférico que os nossos concorrentes não carregam, enfrentando concorrentes que têm uma série de subvenções e incentivos, enfrentando também essa falta de isonomia tributária com comércio de pequeno valor – até US$ 50 – e, também, enfrentando – e nós acompanhamos isso regularmente – todos os problemas advindos de subfaturamento, falsas classificações no comércio convencional.
 
“Ora num mercado em que o varejo não cresceu – o varejo no ano passado e neste ano de 2023 não evoluiu, está com uma queda de 78% -- é preciso considerar outros fatores: a população muito endividada, os juros elevados, mas agora caindo. Mesmo tendo uma elevação da massa salarial devido ao aumento do número de pessoas empregadas e também ao grande volume de recurso que foi injetado nos programas sociais, isso não foi suficiente para motivar o consumidor, que já vinha de uma ressaca inflacionária, principalmente de alimentos de outros itens absolutamente indispensáveis para a sua vida, dentro do seu orçamento.  Então, olhando para esse quadro todo, eu posso dizer que sim, o impacto dos importados, somado a essa falta de isonomia tributária nas pequenas encomendas, somado ao Custo Brasil que nos reduz a competitividade no mercado que não teve apetite para consumir, tudo isso está asfixiando a indústria brasileira de uma maneira absurda e desleal.

“Então, eu posso dizer que o setor de têxtil brasileiro tem preço para todos os consumidores. O senhor vai ao comércio e vai ver uma T-shirt muito mais barata, uma calça jeans muito mais barata, mas vai ver com preço extremamente elevado no comércio de luxo. No comércio chamado premium custa 20, 25 vezes mais o preço da peça do que o comércio básico, e o ultra premium luxo é duas, três vezes mais do que o premium. Agora, o Brasil é um país que concentra o consumo na classe é demais B+, C e D. Esse é o grande consumo, apesar de haver um consumo importante na classe A, mas ela é diminuta com relação ao tamanho do número de pessoas. Apesar de ter uma capacidade aquisitiva bastante grande.

“Trabalhar as agendas de competitividade do país, enfrentar o mundo que é um mundo que está sofrendo de excesso de produção por conta de todos esses rearranjos que nós estamos vivenciando e ter juros mais competitivos. A indústria como um todo está investindo, só que ela tem de investir mais do que ela está podendo investir. Um estudo recente da Fiesp mostrou que a indústria de transformação do Brasil terá de investir nos próximos 10 anos R$ 456 bilhões por ano. Hoje, ela investe em torno de R$ 250, R$ 260 bilhões por ano, ou seja, nós temos que aumentar em R$ 200 bilhões por ano o investimento da indústria de transformação para recuperar defasagens e preservar a tecnologia atualizada.
 
“O nosso quinhão (da indústria têxtil e de confecções) isso daí é da ordem de R$ 22 bilhões a R$ 25 bilhões. Mas você não consegue investir pagando 20% de juros do financiamento do BNDES numa máquina. A taxa real de juros é absurda, não por culpa do BNDES, mas porque as taxas de juros no Brasil são mesmo elevadas diante de uma taxa de retorno que não é compatível com isso. 

“Então, os investimentos se dão muito em função da troca de máquina, do aumento de eficiência, da redução do consumo de insumos, tudo isso faz parte dessa agenda que envolve também a agenda de sustentabilidade, que é uma outra demanda enorme que tem toda a indústria, e a nossa em particular. Ou seja, além de você estar atualizando seus equipamentos, mantendo o update sua tecnologia, você tem que investir também nessas outras agendas que estão, digamos assim, trazendo novas exigências ao gestores das companhias para que elas possam atender s novas demandas do mercado consumidor, seja nacional, seja internacional.”

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