Solução para a transmissão de energia elétrica é uma só: a PPP
Engenheiro Adão Linhares, especialista no tema, diz que a Parceria Público Privada posicionará o Ceará na vanguarda da transição energética nacional,

Esta coluna tem abordado, nos últimos dias, uma das questões que complicam e atrasam o cronograma de implantação das usinas de produção do Hidrogênio Verde na geografia do Ceará, mais precisamente na Zona de Processamento para Exportação (ZPE) do Pecém: a falta de Linhas de Transmissão (LTs) que garantam, desde os seus parques geradores, o abastecimento desses empreendimentos com energia renovável desde suas fontes geradoras.
Por esta razão e tendo em vista a oportunidade e a importância do tema, a coluna publica, a seguir, um artigo elaborado pelo engenheiro Adão Linhares -- especialista em geração de energia renovável e planejamento energético, com Mestrado em engenharia nuclear e planejamento energético pela COPPE/UFRJ; ex-membro do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), atuando hoje como consultor sênior da empresa Energo Engenharia, com ampla experiência no setor elétrico brasileiro.
O conteúdo do artigo pode servir de luz às autoridades dos governos federal e estadual na busca de uma solução para o grave problema da carência de LTs, pois destas dependerá o êxito dos projetos de produção do H2V. Boa leitura!
“O Desafio da Transmissão – As linhas de transmissão existentes no estado operam próximas à saturação, sem margem significativa para absorver novos volumes de energia. Esta limitação impõe barreiras à expansão do parque gerador renovável – eólico e solar – pelo qual o Ceará é reconhecido nacionalmente, bem como aos projetos emergentes de hidrogênio verde que dependem fundamentalmente de infraestrutura de escoamento energético confiável.
“A necessidade de ampliação da malha de transmissão torna-se ainda mais urgente quando consideramos a meta de suportar demandas adicionais da ordem de 6 GW na região do Porto do Pecém. Empreendimentos deste porte exigem não apenas reforços pontuais, mas uma reestruturação sistêmica da rede de transmissão estadual.
“PPPs como Modelo Viável – Diante do volume de investimentos necessários – estimados em bilhões de reais – e das limitações orçamentárias do setor público, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) emergem como solução estruturada para viabilizar estes projetos essenciais. O modelo de PPP permite compartilhar riscos e responsabilidades entre o Estado e a iniciativa privada, garantindo a execução de obras complexas com maior eficiência e previsibilidade.
“O governo do Ceará, conforme recentemente anunciado pelo secretário-chefe da Casa Civil, Chagas Vieira, reconhece esta necessidade e trabalha ativamente no desenvolvimento de um programa específico para o setor de transmissão. Esta postura proativa demonstra compreensão da dimensão estratégica destas infraestruturas para o desenvolvimento estadual.
“Aspectos Técnicos e Financeiros – A implementação de novas linhas de transmissão de grande porte envolve complexidades técnicas e financeiras que merecem análise cuidadosa:
“1. Dimensionamento: Para suportar a demanda projetada de 6 GW no Pecém, serão necessárias linhas de transmissão em corrente alternada 3 de 500 kV ou, potencialmente, sistemas em corrente contínua (HVDC) para maiores distâncias, assegurando eficiência e minimizando perdas.
“2. CAPEX e OPEX – O investimento inicial (Capex) para linhas desta magnitude situa-se na faixa de R$ 2 a R$ 3 milhões por quilômetro, variando conforme a tensão e capacidade. Já os custos operacionais (Opex) ao longo da vida útil do empreendimento, estimada entre 30-35 anos, precisam de ser rigorosamente modelados para garantir atratividade ao investidor privado.
“3. Retorno sobre Investimento: A viabilidade econômica depende de uma estruturação tarifária adequada, com receitas anuais permitidas (RAP) suficientes para remunerar o capital investido, cobrindo custos e garantindo margens compatíveis com o perfil de risco. Investimentos desta monta exigem a garantia do retorno pelo valor do uso do ativo de transmissão, mesmo em cenários de atrasos ou redimensionamento dos projetos demandantes.
“Benefícios Sistêmicos – A expansão da rede de transmissão através de PPPs trará benefícios que extrapolam o setor elétrico:
“Segurança energética: Maior confiabilidade no abastecimento, reduzindo riscos de racionamento em períodos críticos.
“Atração de investimentos: Infraestrutura robusta como fator determinante para atração de data centers, plantas de hidrogênio verde e seus derivados, potencializando tanto o mercado interno quanto as exportações de produtos de alto valor agregado.
“Descarbonização: Facilitação da integração de fontes renováveis ao sistema, contribuindo para metas climáticas nacionais.
“Desenvolvimento regional: Geração de empregos diretos e indiretos, tanto na fase de construção quanto na operação.
“Riscos e Desafios de Implementação – A viabilização destes investimentos enfrenta desafios críticos relacionados ao sincronismo entre oferta e demanda de infraestrutura. Por um lado, as linhas de transmissão precisam estar operacionais antes da entrada em funcionamento das plantas industriais demandantes; por outro, investimentos desta monta exigem a garantia do retorno pelo valor do uso do ativo de transmissão.
“Esta equação temporal representa um dos principais riscos do projeto: caso as linhas sejam concluídas antes da materialização da demanda prevista, os ativos podem permanecer subutilizados, comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro das concessões. Em contrapartida, atrasos na disponibilização da infraestrutura de transmissão podem inviabilizar o cronograma dos empreendimentos dependentes, como as plantas de hidrogênio verde, potencialmente resultando em cancelamentos ou redirecionamentos de investimentos para outras regiões ou países.
“O modelo de PPP precisa, portanto, contemplar mecanismos de mitigação destes riscos, como garantias de demanda mínima, cláusulas de reequilíbrio contratual e cronogramas integrados com penalidades recíprocas que assegurem o comprometimento de todas as partes envolvidas.
“Desafios Regulatórios – A implementação bem-sucedida deste modelo dependerá também da superação de desafios regulatórios significativos. As PPPs em transmissão de energia requerem harmonização com o marco regulatório federal, especialmente considerando que a expansão do SIN tradicionalmente ocorre por meio de leilões conduzidos pela ANEEL.
O próximo leilão de transmissão previsto para dezembro de 2025, conforme calendário do Ministério de Minas e Energia, representa uma oportunidade para que o governo estadual articule junto às autoridades federais a inclusão destes projetos estratégicos, potencialmente com condições diferenciadas que reconheçam sua importância para o desenvolvimento regional.
“Conclusão – O Ceará posiciona-se como pioneiro ao propor um modelo inovador de PPPs para transmissão energética, reconhecendo que a infraestrutura elétrica é pilar fundamental para o desenvolvimento econômico sustentável. O sucesso desta iniciativa poderá estabelecer um precedente nacional, demonstrando como a colaboração entre setor público e privado pode superar gargalos infraestruturais historicamente dependentes exclusivamente de investimentos federais.
“A concretização destes projetos não apenas viabilizará o atendimento à demanda de 6 GW no Porto do Pecém, mas posicionará o Ceará na vanguarda da transição energética nacional, consolidando sua vocação como polo de desenvolvimento tecnológico e industrial ancorado em infraestrutura energética de classe mundial. Para isso, é fundamental um alinhamento preciso entre cronogramas de implementação das linhas de transmissão e das plantas industriais demandantes, 6 assegurando que os riscos sejam adequadamente distribuídos e que os investimentos em infraestrutura possam ser recuperados por meio de tarifas justas pelo uso dos ativos, independentemente de eventuais contingências na materialização da demanda projetada.”
Veja também