Reforma Tributária: os contribuintes cearenses mantêm a desconfiança

Seminário sobre o tema, promovido pela Fiec, foi rico de informações. Mas o Grupo de Trabalho da Câmara Federal deixou sem respostas as perguntas sobre qual será a alíquota do IVA

Legenda: Bernardo Appy responde ao presidente da Faec, Amílcar Silveira, durante seminário de hoje na Fiec sobre Reforma Tributária
Foto: Egídio Serpa

Terminou sob aplausos o seminário que a Federação das Indústrias do Ceará promoveu nesta sexta-feira, 2, sobre a Reforma Tributária, pela qual, com muita desconfiança, espera há 50 anos a sociedade brasileira. 

Os aplausos do lotado auditório da Fiec foram pela resposta do secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, à pergunta do industrial, agropecuarista e engenheiro construtor de estradas Cristiano Maia, que se declarou “sem dormir há vários dias” porque está certo de que “essa reforma aumentará o que eu já pago de imposto”.

Appy disse, com outras palavras, o seguinte: Cristiano, você pode dormir tranquilo. A Reforma desonerará a construção de estradas e a produção de ração animal, com exceção da de cães e gatos. E a criação de camarão será menos tributada do que é hoje.

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Ao final de duas horas e meia de debates, esta coluna ouviu da procuradora Denise Lucena Cavalcante, professora titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da UFC, o seguinte comentário:

“Há algo errado. A Reforma Tributária é um Pacto Federativo que envolve interesses dos governos da União, dos estados e dos municípios e, mais ainda, dos milhões de contribuintes – pessoas físicas e jurídicas – e sobre a qual nunca houve consenso. Ora, ouvindo tantos aplausos em torno de uma questão de difícil e complexa solução, fiquei com a impressão de que alguém não falou toda a verdade. Essa conta não fecha. Nenhum dos oradores disse expressamente qual será ou serão as alíquotas do IVA. Estão vendendo uma simplicidade irreal. O sistema é complexo para respostas tão simples. E há o caso da transição, que chegará a 50 anos, o que quer dizer que a maior parte do auditório não estará viva quando ela for concluída”. 

Foi uma manhã rica de informações sobre a Reforma Tributária. O presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, anfitrião do evento, começou saudando o comando do Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados que trata da Reforma Tributária – seu presidente Reginaldo Lopes (PT-MG), seu relator Aguinaldo Ribeiro (PP-MG), além do deputado Mauro Filho (PDT-CE), integrante do colegiado, e o secretário Bernard Appy. 

Depois, ele disse que a Reforma Tributária será uma das mais importantes decisões já tomadas pelo Parlamento, pois causará impactos “nos negócios e no desenvolvimento nacional”. 

O atual modelo tributário do país – disse o presidente da Fiec – é regressivo e injusto, onera a produção, o consumo e as exportações.

Ricardo Cavalcante, que também preside a Associação Nordeste Forte, afirmou que todos os setores produtivos da região nordestina, incluindo a indústria, a agropecuária, o comércio e o setor de serviços, querem um modelo tributário que simplifique a relação do contribuinte com o fisco.

Ele advertiu que o desenvolvimento regional “não se conformará com medidas compensatórias”, numa referência direta à criação do Fundo Regional de Desenvolvimento (FDR), que substituirá a atual política de incentivos fiscais. E mandou outro recado, ao dizer que o Nordeste e suas lideranças empresariais acompanharão, com atenção, os trabalhos do Congresso Nacional nos debates sobre a Reforma Tributária.

O relator da Reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro, foi muito objetivo e claro na sua fala. Ele disse que “o primeiro desafio que a Reforma Tributária terá de vencer é a desconfiança da sociedade brasileira a respeito dela”. 

E lembrou que desde 1965, “quando eu nem havia nascido”, fala-se sobre Reforma Tributária no Brasil. Mas acenou com a promessa de que, desta vez, é para valer. E antecipou:

“Na próxima terça-feira, dia 6, será apresentado o relatório do Grupo de Trabalho. Estamos muito animados porque as muitas e demoradas discussões que fizemos não foram em vão. Estamos na iminência de votarmos a Reforma”.

Aguinaldo Ribeiro afirmou que o Brasil tem, hoje, o pior modelo tributário do mundo e assegurou que a Reforma em elaboração “desonerará a produção e trará segurança jurídica”, pois ela será simplificada para evitar as constantes pendências jurídicas de hoje.

Por sua vez, o presidente do Grupo de Trabalho, deputado Reginaldo Lopes, iniciou sua fala dizendo que a Reforma Tributária definirá o futuro do país, “que precisa de um Imposto de Valor Agregado (IVA)”, que poderá ser dual. Também disse que o Custo Brasil tem 80% de gasto tributário, acentuando que “isso vai mudar”.

Na sua opinião, a Reforma Tributária “junto tudo, a indústria, o agro, o comércio, o serviço”, e, mesmo diante de um auditório de empresários cujas empresas gozam de incentivos fiscais, afirmou que eles “não são funcionais, e por isto mesmo serão substituídos pelo FDR”, cujos recursos serão orçamentados. 

O deputado Mauro Filho falou em seguida e logo arrancou aplausos do auditório ao assegurar que a Reforma Tributária não aumentará a carga tributária. E disse mais que o governo já concordou com a criação do FDR.

Depois, falou o economista Bernardo Appy, secretário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, que foi logo perguntando: 

“Por que fazer a Reforma Tributária?” Ele mesmo respondeu: 

“Para simplificar o modelo de hoje, que é o mais complexo do mundo, o que gera permanente litígio, no que o Brasil também é o campeão mundial pelo número de litígios”.

Appy revelou que 40% de todo o trabalho do Poder Judiciário brasileiro são relativos a processos tributários. “Nosso modelo tributário onera tudo, até nossas exportações”, disse ele.

Bernard Appy garantiu que a Reforma Tributária “aumentará a competitividade das empresas brasileiras. “Hoje, acreditem, construir um prédio com estrutura pré-fabricada é mais caro do que fazê-lo em concreto armado no canteiro de obras porque os tributos são diferentes por culpa do atual modelo tributário”.

De acordo com Bernard Appy, a Reforma Tributária corrigirá os defeitos do modelo atual, como a cumulatividade. Só o efeito dessa correção – disse ele – aumentará em 20% o PIB nacional em 15 anos.

E, no claro objetivo de massagear o coração dos empresários presentes, a maioria dos quais incentivada pelo FNE e pela Sudene, ele afirmou:

“O FDR será mais potente do que os incentivos fiscais de hoje”.

Em seguida, também para agradar o auditório, elogiou a forte presença de cearenses no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), um centro de excelência do ensino superior do Brasil. E revelou que os cearenses têm uma capacidade incrível de fazer cálculos matemáticos.

No final do seminário, houve perguntas aos oradores. A última delas foi feita pelo empresário Cristiano Maia, que é o líder nacional da cadeia produtiva do camarão. Ele confessou que está sem dormir porque “as minhas contas não fecham” diante do que está sendo informado a respeito da Reforma Tributária e das alíquotas do futuro IVA.

“Pelas minhas contas, com a Reforma, pagarei mais imposto”, disse ele.

Na resposta, Bernard Appy tranquilizou-o: “Volte a dormir, Cristiano”, sugeriu, argumentando que, com a Reforma Tributária, todo o processo produtivo será desonerado. 

Mas não só Cristiano Maia, mas outros empresários e, também, quem entende tributação saíram mais desconfiados ainda com a proposta da Reforma Tributária.

É preciso ser lembrado um detalhe da fala do deputado Mauro Benevides Filho. Ele disse que, desta vez, a Reforma Tributária será votada pela Câmara dos Deputados, cujo presidente, Artur Lira, já advertiu: se ela não for votada até o dia 15 de julho, não haverá recesso parlamentar.