O mundo começa a desconfiar de Donald Trump

Com medidas e anúncios esdrúxulos, o presidente dos EUA – maior economia do planeta – provoca uma pergunta: ele está mesmo no pleno uso de sua inteligência?

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 09:00)
Legenda: Donald Trump, presidente dos EUA, tem adotado medidas esdrúxulas e feito declarações que assustam e preocupam governos aliados e adversários
Foto: Getty Images via AFP

Há pouco mais de três semanas, os Estados Unidos – maior economia do mundo e maior potência bélica do planeta – estão sob o governo de Donald Trump, um bilionário que, pela segunda vez, chega à Casa Branca, agora empurrado por uma vitória esmagadora e surpreendente.

Ao tomar posse no dia 20 de janeiro passado, ele repetiu tudo o que havia dito e prometido na campanha eleitoral. E muito mais. Por exemplo: neste momento, Trump quer, entre outras coisas, transformar o Canadá, seu vizinho ao Norte, no 51º estado norte-americano, cuja bandeira tricolor ganharia mais uma estrela.

Mas Donald Trump II é diferente do Donald Trump I. Reparem o que ele está agora a dizer e a repetir em tom ameaçador: os dois milhões de palestinos que habitavam a Faixa de Gaza, hoje dizimada, devem já, já, mudar-se para o Egito ou a Jordânia, pois morar em Gaza, terra deles, não mais.

Como se isso não bastasse, Trump ameaça, com outras palavras: Se até o meio-dia do próximo sábado, 15, o Hamas – grupo terrorista que manda e desmanda na terra dos palestinos – não liberar os reféns israelenses e de outras nacionalidades em seu poder, ele e seus fiéis militantes conhecerão as portas do inferno.”

Tem mais: Trump renovou a promessa de comprar a Groelândia, a grande ilha próxima do Polo Norte, pertencente ao governo da Dinamarca, um país livre, soberano e democrático, em cujo subsolo há petróleo em abundância. Por enquanto, o que existe aí é só uma retórica ameaçadora e assustadora.

Surge a pergunta: um governante que diz e repete tudo isso com a maior naturalidade, como se fosse o czar do planeta, está no pleno uso de sua inteligência? Assim como não adianta ser sério, mas tem de parecer sério, no caso de Donald Trump a dúvida não é apenas sobre o que ele diz, sobre o que ele ameaça, mas sobre como ele diz. É o seu jeito de falar, de olhar, de caminhar, de usar as mãos, de mexer com elas o seu paletó – é tudo isso e muito mais que levantam dúvidas a respeito da capacidade intelectual do atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA).

“Essa capacidade ele tem de sobra, é só prestar atenção ao seu imenso patrimônio, que se espalha pelos EUA e pela Europa, e agora quer alargá-lo para o Oriente Médio, onde planeja, em Gaza, construir uma Riviera israelense” – é a resposta que pode dar um atento observador da cena geopolítica.

Mas aqui estamos tratando de relações entre nações.

Donald Trump tem procuração dos norte-americanos para fazer o melhor na defesa dos interesses econômicos, financeiros, sociais, militares, culturais e éticos dos EUA, mas não pode comportar-se como se fosse o Xerife Global. O interesse de uma Nação termina onde começa o da outra, e esta pode ser uma vizinha e aliada tradicional, como a República do México, ou alguma bem distante, como a China.

Para intermediar as relações entre os estados soberanos, a linguagem diplomática é o melhor recurso. Mas, no caso de Trump II, até a própria diplomacia parece está incomodada.

Infelizmente, o mundo enfrenta várias guerras, algumas, como a da República Democrática do Congo – que já exterminou milhares de vidas – não merecem atenção da mídia. Outras, porém, como a da Ucrânia e a da Faixa de Gaza, têm cobertura permanente porque envolvem imensos interesses econômicos de governos do Ocidente e do Oriente. No meio dessas guerras, está a população civil, assistindo, indefesa e alarmada, à escalada do modo Trump de governar e ameaçar.

Impondo tarifas extravagantes aos seus aliados e adversários internos e externos e renovando ameaças, o presidente dos EUA deve estar a desenvolver uma inédita estratégia de comunicação mundial que os especialistas ainda analisam, buscando o seu real objetivo.

Trump sabe que, fazendo frente aos EUA, há um bloco unindo China, Rússia e Coréia do Norte, um trio dono de grande arsenal atômico. E sabe da existência, com o mesmo potencial bélico destruidor, de outro bloco que, até 20 dias atrás, unia os EUA e a OTAN, incluindo o Reino Unido, a França e a Alemanha. Mas ingleses, franceses e alemães – e o resto da Europa – já se perguntam se os norte-americanos, com Trump a liderá-los, são hoje aliados ou adversários.

Ampliando seu potencial militar e armando-o com modernos e novos submarinos, porta-aviões e caças supersônicos, a China olha para o Ocidente, principalmente para a América do Sul, e começa a implantar neste continente sua rota da seda, para o que já instalou e opera o maior e mais moderno porto do Peru, o de Chancay, pelo qual, em futuro próximo, deverão sair e chegar produtos do Brasil e de outros países para o mercado chinês e vice-versa.

Qual o plano de Trump para a América Latina ainda não se sabe, mas ele já o executa: a taxação do aço e do alumínio é parte desse plano. Que – já advertem os economistas – pode ser um tiro no próprio pé.

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