Lacticínios: o mercado que comercializa tudo no Ceará

Nesse mercado, há a manteiga de primeira qualidade e a comum com sal, em cuja composição entram creme de desnate de soro de queijo e derivados de leite e de ovo, e tudo está conforme a legislação. E há muçarela de origem desconhecida.

Legenda: De quando em vez, a fiscalização apreende em Fortaleza queijos muçarela sem selo de qualidade e de origem desconhecida
Foto: Divulgaçã / Sefaz

Não tem limites a inovação, menos ainda a inovação que nasce para confundir o consumidor e os agentes da fiscalização sanitária. 

Está sendo comercializado nos supermercados de Fortaleza um novo produto, em cuja embalagem de 200 gramas está escrito: “Manteiga Comum com Sal”. No Brasil – no Ceará, também – dá-se pouca importância ao exame da embalagem. 

Esta coluna, cujo titular veio ao mundo com a virtude da curiosidade, achou inusitado o apelo marqueteiro da “Manteiga Comum com Sal”. Tomou a embalagem, com forte cor azul e letras brancas, e assustou-se com o que leu – e o que leu levaria o fabricante do produto a responder, no mínimo, por tentativa de logro contra o consumidor. Está escrito lá:

“Manteiga Comum com Sal – Ingredientes: creme de desnate de soro de queijo e cloreto de sódio (sal). Alérgicos: contém derivados de leite e derivados de ovo. Não contém glúten.”

Na fabricação da manteiga, a matéria prima é o leite. Não entra ovo de qualquer espécie, este é o primeiro ponto. O segundo provoca a pergunta: por que as autoridades responsáveis pela fiscalização de produtos de origem animal seguem permitindo a fabricação de produtos como essa “Manteiga Comum com Sal”, em cuja composição entram ovo e desnate de soro de queijo?  Esta foi a reação imediata da coluna.

Consultado, um laticinista, porém, ergueu-se a favor da “Manteiga Comumn com Sal” e contra os argumentos desta coluna. E imediatamente levantou uma questão sobre o produto. Ele disse: 
“Preste atenção! Não se trata de uma manteiga de Primeira Qualidade. Trata-se de uma manteiga comum, e o fabricante é honesto ao dizer que usa creme de desnate de soro de queijo. Outra coisa: ele produz queijo parmesão e tira do processo de produção desse queijo o creme de desnate. Na fabricação do queijo parmesão – e esse fabricante é um dos maiores produtores desse tipo de queijo no país – ele usa ovo, e nada há de errado nisso, nada há de clandestino”, explica o laticinista. 

Outra fonte, também da área de lacticínios, chega também em defesa da “Manteiga Comum com Sal”, lembrando que o produto recebeu o selo SIF do Ministério da Agricultura, com o número 2811. 

“Então, está tudo dentro do que preceitua a legislação”, diz a mesma fonte. 

Mas a divergência permanece. O presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios do Ceará, José Antunes Mota, mantém-se como solista de um esforço legal que já deveria ter acordado as chamadas autoridades competentes para a punição de quem faz esse tipo nocivo de marketing. É nocivo porque voltado para confundir o consumidor menos avisado.

Na área de alimentos processados com base no leite bovino, tudo acontece no que pode ser denominado de “mercado livre da fiscalização”. 

Fortaleza é diariamente invadida por queijos vindos de vários estados, principalmente da região Norte. Os do tipo muçarela, por exemplo, são os mais “contrabandeados” – chegam aqui escondidos em caminhões ou nos porta-bagagens dos ônibus interestaduais. Trata-se do queijo mais utilizado na produção de pizzas, e o que sobra na capital cearense são pizzarias que entregam em domicílio.

De quando em vez, a Polícia Civil e Militar e os fiscais sanitários da Adagri e os tributários da Sefaz unem-se numa “operação especial” que flagra em vários pontos da cidade a chegada de queijos do tipo muçarela sem qualquer atestado de qualidade, que são vendidos, normal e tranquilamente, a pizzarias de Fortaleza e de cidades do interior do Ceará.

José Antunes Mota diz que a clandestinidade, a informalidade e a crônica falta de fiscalização – nas feiras livres, nos armazéns, nos supermercados e nas bodegas do Ceará – incentivam a fabricação e o comércio ilegal de lácteos. 

“Quem produz e trabalha na formalidade, ou seja, recolhendo os impostos e as taxas devidos ao Fisco, é duramente apenado por essa concorrência desleal, contra a qual foram frustradas todas as campanhas já empreendidas pelas entidades empresariais, incluindo o próprio Sindlacticínios-Ceará”, lamenta Antunes Mota, cuja empresa também sofre muito com o que ele chama de “predadores do mercado”.

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