Ex-presidente do BNB contesta Hub do Hidrogênio Verde
O economista e engenheiro Marcos Holanda diz, em texto elaborado para esta coluna, levanta a tese de que, para ser viável, o H2V terá de ser subsidiado pelo governo. E o contribuinte pagará a conta.
Engenheiro e economista, o professor Marcos Holanda, titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), ex-Presidente do Banco do Nordeste (BNB) e fundador do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, (Ipece), faz um contraponto à euforia do governo, do empresariado e da academia cearenses, que celebram a próxima chegada de anunciados projetos de produção de Hidrogênio Verde neste Estado.
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Ele elaborou para esta coluna o texto abaixo, no qual levanta questões como esta: “Como justificar que um país como o Brasil, que enfrenta ameaça de apagão, direcione suas energias renováveis para exportação e não para consumo interno? Por que não usar essas energias renováveis diretamente, criando indústrias verdes aqui e não lá fora?”
A posição do economista Marcos Holanda, certamente suscitará um debate que envolverá diferentes atores do projeto do Hub de H2Vno Ceará. Antes que isso aconteça, leia, a seguir, a íntegra do seu artigo:
“O ponto mais comentado do artigo que publiquei recentemente foi meu ceticismo em relação à euforia que o hidrogênio verde está causando no Ceará. Vou procurar neste espaço apresentar em mais detalhes esse ceticismo.
“Como engenheiro, me fascina uma fonte de energia que é gerada a partir de energias limpas e renováveis e ao ser usada emite como resíduo apenas água e não o temido CO2. O problema é meu lado economista que, de forma um tanto antipática, considera na sua avaliação a lei da oferta e demanda de mercado, a eficiência no uso dos insumos, o custo final para o consumidor, o uso do dinheiro público do contribuinte.
“A produção de hidrogênio já existe no mundo e sua demanda só cresce para uso na indústria química e na produção de fertilizantes. Ela é hoje majoritariamente feita a partir de gás natural (hidrogênio azul ou cinza), em um processo bem mais barato que a eletrólise de água (hidrogênio verde).
“Aí surge uma primeira pergunta: como o hidrogênio é o mesmo, qual deles o mercado vai demandar? O caro ou o barato? Nesse caso, como gerar demanda pelo mais caro? Só tem um jeito: subsídio público. Quem paga? Os contribuintes que pagam impostos ou consumem energia mais cara.
“O atrativo do hidrogênio verde é que ele permite a exportação de energias renováveis. Como, no entanto, justificar que um país como o Brasil, que enfrenta ameaça de apagão, direcione suas energias renováveis para exportação e não para consumo interno? Por que não usar essas energias renováveis diretamente, criando indústrias verdes aqui e não lá fora? Apesar de ser um sonho em termos de meio ambiente, por usar como insumo apenas água e energia renováveis, o hidrogênio verde é muito pouco eficiente no uso desses insumos.
“Temos aqui um processo de no mínimo três etapas. Primeiro, temos a eletrólise de água alimentada por energia eólica ou solar. Segundo, o hidrogênio produzido tem que ser comprimido ou liquefeito para viabilizar o seu transporte. Terceiro, o hidrogênio transportado é usado diretamente ou transformado em células de combustíveis para posterior geração de energia.
“Nessas etapas acontecem fortes perdas de energia, de forma que de 100 unidades de energia eólica ou solar que se usa inicialmente restam apena 30 unidades na ponta final de consumo. Em outras palavras, 100 unidades de energia solar geradas no Ceará se transformam em trinta unidades de energia para alimentar um carro movido a células de combustível na Alemanha ou um trem na China.
“Não é mais interessante usar essas 100 unidades de forma integral aqui mesmo no Ceará ou Brasil? Por que então está acontecendo todo esse movimento com as empresas apresentando, aos montes, protocolos de intenções?
“Primeiro, assinar um protocolo de intenção tem custo zero. Segundo, elas estão simplesmente assumindo um posicionamento estratégico na espera de subsídios dos países ricos e garantia de insumos baratos e incentivos fiscais nos locais de produção. Terceiro, estão se preparando para fazer aquilo que o mercado chama de “lavagem verde” que é o uso da produção de algum hidrogênio verde para marketing ou para ofuscar aumento de produção de energia suja.
“Por último, as perguntas mais importantes. O que o estado vai ganhar? Os ganhos vão permitir a redução da pobreza e das desigualdades que temos? Vão elevar de forma substancial nosso PIB? Vai ser a salvação da indústria?
“Aqui novamente entra o economista que gosta de fazer contas. Ele lembra que a maior parte dos equipamentos vão ser importados, a menos da nossa já importante produção de pás eólicas, que essa indústria é intensiva em capital e não em mão de obra, que a produção é para exportação e dessa forma praticamente não paga impostos, que são empresas estrangeiras e muito provavelmente vão remeter seus lucros para suas sedes lá fora. Por último, lembra que nenhuma economia do mundo ficou rica exportando energia.
“Que são investimentos interessantes, não tenho dúvidas. Não tenho dúvidas, porém, que os efetivamente realizados serão bem menores que aqueles dos protocolos de intenções e que eles não vão gerar a inflexão de desenvolvimento que tanto precisamos. Resta um prognóstico: a bala de hidrogênio é mais uma bala de prata que vai ricochetear.”