Energia eólica no mar pode recarregar os açudes do Ceará

O professor Acácio Wey, engenheiro eletricista e diretor da Abemar, explica que os projetos de energia eólica "offshore" gerarão energia suficiente para mover as usinas de dessalinização da água marinha.

Legenda: Segundo o professor Acácio Wey, os grandes projetos eólicos "offshore" produzirão energia suficiente para mover as usinas de dessalinização
Foto: Shuterstock

O texto a seguir foi elaborado exclusivamente para esta coluna. Seu autor é o professor Acácio Wey, engenheiro eletricista e diretor da Associação Brasileira de Eólicas Marítimas. Ele trata de um tema atualíssimo: a implantação de projetos de geração de energia eólica “offshore” (dentro do mar), os maiores dos quais serão implantados no litoral Oeste do Ceará. 

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Além de abordar a existência de normas jurídicas que já permitem a construção e a operação de Grandes Centrais Eólicas (EOLs) no Brasil, Wey transmite esta grande e alvissareira novidade para o Ceará e os cearenses: 

“Os parques eólicos ‘offshore’ poderão suprir, plenamente, as cargas flexíveis, entre elas a da dessalinização da água do mar para perenizar açudes no Ceará, inclusive o Castanhão, e no Nordeste, o que será mais eficaz e econômico do que o cobertor curto do Projeto São Francisco de Integração de Bacias e a produção de Hidrogênio Verde e de aço verde”. 

O texto é oportuno e instigante. Com a palavra, o professor Acácio Wey:

“Em matéria recém-divulgada pela coluna do jornalista Egídio Serpa, no Diário do Nordeste, ficou evidenciado – uma vez atendidas a legislação e a normatização vigentes – que os investidores em Projetos de Grandes Centrais Eólicas Offshore (EOLs) possuem o mesmo direito constitucional de obter a Autorização de PIE (Produtor Independente de Energia) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que já têm os investidores de todas as demais centrais geradoras de energia elétrica, exceto as hidrelétricas.

“Além da questão legal e regulatória, há outra, técnica, muito relevante, já abordada neste espaço, a qual, até o momento, não tem sido considerada pelo Governo, que é a necessidade de qualificar os projetos das EOLs quanto à necessidade urgente de eles atenderem à gestão hidroenergética, que daqui para frente será algo permanente.
 
“Isto, sim, compete ao Governo, que, em vez de estar a ‘paralisar’ os possíveis processos ora em andamento na Aneel, alegando que se esperam as novas regulamentações em gestação no Ministério de Minas e Energias (MME), deveria autorizar as eólicas offshore. 

“Como já foi abordado pela coluna do Egídio Serpa, elas são legalmente desnecessárias, mas bem-vindas se contribuírem para aperfeiçoar a regulamentação vigente, sem solução de continuidade de processos hoje existentes ou mesmo sem vir a impactar neles com qualquer retroação.

“Sabe-se que as CEOLs, juntamente com as grandes hidrelétricas, terão de imediato e em médio prazo um papel relevante não só na segurança operacional do SIN (Sistema Interligado Nacional), como serão estratégicas e estruturantes, como veremos a seguir. 

“Assim, se faz necessário que o desempenho de segurança operacional do SIN deva ser incorporado aos projetos de tais CEOLs, questão fundamental que também se espera que esteja sendo considerada neste momento pela Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética e que urgem ser incorporadas ao planejamento da expansão orientativa da geração do SIN pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

“O advento das Grandes Centrais Eólicas Offshore no Brasil será similar ao das grandes hidrelétricas no passado, igualmente estratégico e estruturante, com criação de milhares de empregos permanentes de alta qualidade, atraindo as diversas grandes indústrias de base, em função da escala do grande potencial eólico marítimo nacional, até o presente totalmente não aproveitado.

“O SIN – ou por falta de recursos energéticos devido à escassez hídrica ciclicamente recorrente ou pela geografia do território nacional que, em razão da baixa altitude das áreas disponíveis, torna difícil implantar grandes reservatórios – irá operar cada vez mais com reserva girante reduzida nas grandes hidrelétricas, relativamente aos desbalanços significativos entre carga e geração, decorrentes de graves contingências sistêmicas, possíveis de ocorrer. 

“Uma contingência muito grave no SIN aconteceu no dia 28/05/2021 por volta de 11:30, quando um linhão de Belo Monte desligou intempestivamente, interrompendo cerca de 4 GW de geração. Como não foi possível cobrir de imediato tal déficit no balanço entre produção e consumo com a reserva girante disponível naquele instante, resultou uma queda excepcional de frequência o que teria provavelmente levado o SIN a um blecaute, não fosse um grande desligamento automático de cargas que estancou a queda de frequência.

“Esse evento ilustra um fato notório, que têm sido a capacidade e a robustez próprias das hidrelétricas para regular a frequência do SIN, o que historicamente prevaleceu no século XX, e agora está se reduzindo rapidamente desde o início do século XXI, preocupação esta que tem levado a Abemar (Associação Brasileiras de Eólicas Marítimas), a realizar, pioneiramente, estudos mais detalhados de viabilidade para implantação de EOLs Offshore no SIN.
 
“Esses estudos têm sinalizado claramente que as EOLs Offshore desempenharão neste século o que foram as grandes hidrelétricas no século passado, até com mais vantagens, pois elas têm intrinsicamente muitas ‘virtudes’ reconhecidas, entre elas as seguintes:

1) O ciclo da velocidade dos ventos no mar, principalmente no Nordeste, é naturalmente anticíclico à energia natural afluente das águas nos principais reservatórios do SIN (o que permite ao ONS despacho Hidro-Eólico coordenado em grande escala);

2) Como as Grandes EOLs Offshore produzirão energia renovável em grande escala – como as hidrelétricas o fazem no Brasil – o desenvolvimento delas é semelhantemente estratégico e estruturante para o País com resultados necessários já em médio prazo (cinco anos);
       
3) Será uma geração extremamente flexível dado o estado-da-arte atual do controle eletrônico da potência, frequência e tensão dos grandes aerogeradores atuais (15 MW ou mais), o que contribuirá com mais segurança operacional ao SIN face a eventos graves, como o anteriormente citado;
       
As Grandes EOLs Offshore poderão suprir plenamente as cargas flexíveis (são as que podem ser controladamente reduzidas ou desligadas sem aviso prévio). Tal suprimento se dará com custos muito competitivos pelo aproveitamento total da energia secundária abundante nessas grandes centrais.
 
(Agora, atenção para o que escreve a partir daqui o professor Acácio Wey):

“Entre as cargas flexíveis encontram-se: 1) A dessalinização da água do mar para perenizar açudes no Ceará, inclusive o Castanhão, e no Nordeste, o que será mais eficaz e econômico do que o ‘cobertor curto’ do Projeto São Francisco de Integração de Bacias); 2) A produção de Hidrogênio Verde; 3) A produção de aço verde, bem como outras cargas interrompíveis. 

“Essas cargas flexíveis poderão variar, coordenadas pelos controladores digitais e automáticos das Grandes EOLs Offshore em função da variação natural da velocidade do vento. Elas serão desligadas ou reduzidas toda vez que for necessário compensar os desbalanços temporários entre produção e consumo pela transferência instantânea ao SIN da energia consumida pelas cargas flexíveis até a recomposição do operacional do SIN.

“Como podemos observar, um eminente adiamento na implantação das Grandes EOLs Offshore para esperar Projetos de Leis ou Decretos, comprovadamente desnecessários face à legislação e regulamentações já existentes, afugentará grandes investidores neste setor, já comprometidos com as ações tomadas com base em resoluções oficiais já expedidas a Projetos em andamento, tão necessários para alavancar o desenvolvimento da energia limpa no Brasil.”

SOBRADINHO JOGA NO MAR 4 MIL M³ DE ÁGUA POR SEGUNDO 

Desde ontem, segunda-feira, a barragem de Sobradinho está jogando no mar 4 milmetros cúbicos por segundo de água que poderia estar sendo utilizada pelos estados beneficiados pelo Projeto São Francisco.

A barragem administrada pela Chesf acumula hoje mais de 70% de sua capacidade total, que é de 32 bilhões de m³.