Economia Azul: que planeta deixaremos para os nossos netos?

Ex-ministra de Agricultura e do Mar do governo de Portugal adverte missão da Fiec para a necessidade de preservação dos oceanos, e confronta ex-presidente da Petrobras

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 01:51)
Legenda: Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura e do Mar do governo de Portugal, preocupa-se como futuro do planeta e dos seus netos
Foto: Egídio Serpa
Esta página é patrocinada por:

Cascais (Portugal) -- Não foi qualquer um quem o disse, mas alguém com autoridade técnica e voz política -- o ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na opinião de quem o Ceará e o Rio Grande “formam o núcleo da verdadeira nova fronteira energética do país”. E que fronteira é essa? Prates se referiu – em artigo elaborado para esta coluna, que o publicou ontem – ao extraordinário banco de ventos existente ao longo da Margem Equatorial brasileira, que se estende desde o Amapá até a geografia potiguar, alcançando, também, o litoral cearense.  

Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que se realiza, aos trancos e barrancos, em Belém do Pará, o tema da geração de energia eólica offshore (dentro do mar) na Margem Equatorial nem fez e não faz parte do rol dos assuntos que chefes de estado e de governo, especialistas, ONGs e militantes ambientalistas debatem nesta semana no coração da Amazônia brasileira. 

“É um equívoco estratégico”, escreveu Jean Paul Prates, que sabe do que está falando. Ele não disse, mas esta coluna pode dizê-lo: o lobby contra as usinas eólicas offshore e a favor das onshore (em terra firme, no continente) é poderoso e tem mostrado seu poder e sua influência no Congresso Nacional, onde impede que prossiga o debate e a tramitação de projetos de lei que regulamentem ou que permitam a exploração dessa nova fronteira energética. 

O tema foi ferido ontem, aqui em Cascais, pela ex-ministra da Agricultura e do Mar do governo de Portugal, Assunção Cristas, ao abordar para os 29 integrantes da Missão Empresarial da Fiec a questão do desenvolvimento sustentável dos recursos marinhos na Europa e fora dela. Indagada por esta coluna sobre se o Brasil tem ou não o direito de explorar as riquezas de sua Margem Equatorial, entre elas o petróleo e o potencial de geração de energia eólica offshore, ela resumiu assim sua resposta: 

“Sim, tem todo o direito. O problema não é hoje, mas daqui a 50 anos. O que pensarão de nós os nossos netos, pois eles estarão a habitar este planeta, cuja preservação precisa de ser defendida agora”. 

Comecemos pelo caso levantado por Jean Paul Prates: 

Um estudo elaborado pelo Banco Mundial em parceria com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) concluiu que as usinas eólicas offshore podem ser importantes para o suprimento energético do Brasil durante o período seco. Embora a implantação seja cara, a pesquisa simulou cenários e previu um potencial de até 1,2 mil gigawatts. Em julho do ano passado, o custo por mw-hora (MWh) da energia eólica variava no Brasil de R$ 344 a R$ 600, dependendo da região do país.  

À medida, que, porém, avançarem as tecnologias, esse custo cairá substancialmente, como aconteceu com a eólica onshore e com a solar fotovoltaica, cujos custos por MW/hora são hoje competitivos em relação à energia hidráulica, assegura o lobby a favor.   

O lobby contrário à energia eólica offshore aponta seus malefícios, que são vibrações, emissão de campos eletromagnéticos, altos custos de manutenção e controle, degradação do solo e distúrbios em organismos que habitam o fundo marinho. O lobby a favor tem um discurso pronto: a fonte é limpa e renovável, provém de um recurso inesgotável e não poluente, contribuindo para a descarbonização e um futuro mais sustentável para o mundo e a humanidade. 

Em abril deste ano, surgiu no Ceará uma campanha contra projetos de usinas de geração de energia eólica dentro do mar. Da campanha faz parte a seguinte informação:  

“Estudo revela que 26 projetos de energia eólica no mar do Ceará coincidem com áreas usadas por 342 comunidades costeiras, loteando quase metade da zona de pesca. Dependentes do vento para navegar, pescadores temem que as turbinas marítimas dificultem suas rotas e comprometam a pesca, espantando os peixes por causa de ruído e vibrações.” 

A conclusão a que se chega é óbvia: se depender do Ibama, não será dada a esses projetos a necessária licença ambiental. Preocupado com essa possibilidade, Jean Paul Prates, que foi senador pelo PT do Rio Grande do Norte e agora tem grandes chances de ser candidato de novo ao Senado pela mesma legenda petista, mobiliza-se no sentido de que o governo resolva de uma vez por todas a questão do marco regulatório da geração eólica offshore, tendo em vista que há grandes empresas nacionais e estrangeiras dispostas a investir nesse negócio, que,l por exemplo, progride em alta velocidade na China, onde não há Ibama, e nos países nórdicos, onde os ambientalistas entendem a importância do uso do mar para lhes garantir energia renovável e limpa, além do famoso e caro petróleo do tipo Brent, referenciado pela Petrobras e negociado na Bolsa de Londres. 

A impaciência de Jean Paul Prates é a mesma que sacoleja dezenas de investidores, para os quais o Ministério de Minas e Energia, aparentemente dominado pelo lobby contra as eólicas offshore, parece dar as costas. Mas este é só mais um item do chamado Custo Brasil, tornando difícil e, em alguns casos, inviável o crescimento sustentável do país.  

Retomemos a longa e interessantíssima aula ministrada ontem na Nova School for Business & Economiscs (Nova SBE) ao grupo cearense da Fiec pela ex-ministra Assunção Cristas, especialista no tema do desenvolvimento marinho sustentável. Ela começou citando o que pensam o Banco Mundial e a União Europeia sobre a Economia do Mar: “É “o uso sustentável dos recursos marinhos”.

Em seguida, disse com outras palavras: 

“A primeira coisa que o mar nos oferece é o espaço, e daí passamos a entender, imediatamente, que sem os oceanos não há vida no planeta. Nos anos 50 do século passado, os cientistas detectaram, pela primeira vez, o aquecimento das águas dos mares, mas a notícia não causou qualquer rebuliço entre os terráqueos, que hoje, todavia, se mostram muito preocupados com as mudanças climáticas. No Brasil não havia tornados, agora vocês os têm. Não havia ciclones, e agora eles já fazem parte da pauta dos boletins meteorológicos da mídia brasileira.” 

Assunção Cristas referiu-se ao filme “Ocean”, produzido pelo inglês David Ahenborough, que já completou 100 anos. Na sua opinião, assistir a essa película “é um dever de todos nós que amamos a natureza e desejamos preservá-la”. Lembrou que 91% do planeta são oceanos, que, para alguns, como os habitantes de Cabo Verde, causam medo; para outros, escravidão, pois foi pelos caminhos marítimos que os africanos cruzaram, acorrentados, o Oceano Atlântico e chegaram às Américas como escravos.  

Cristas deu números da importância econômica e social que tem o mar para a economia europeia. Por exemplo: na geografia da União Europeia, as atividades marinhas geram 5 milhões de empregos. Antes de emitir opiniões sobre o que deve e o que não deve ser feito para a preservação dos oceanos e de sua natureza, a ex-ministra portuguesa, para enfatizar a gravidade que o mundo enfrenta hoje por causa do mau uso de suas riquezas naturais, disse: 

“Eu nasci em 1974. Pois bem, quando eu nasci, este planeta tinha 4 bilhões de habitantes. Hoje, 51 anos depois, tem 8 bilhões e meio de pessoas, que têm de ser alimentadas todos os dias”. 

Assunção Cristas entende que os oceanos vêm sendo castigados pela antropia, e ela tem razão, pois parece que os mares se tornaram uma imensa lixeira, onde tudo o que é descartável, como os plásticos, é despejo nele. Que mundo desejamos deixar de herança para os nossos netos? -- indagou ela, justificando seus argumentos contra a exploração de petróleo dentro do mar e a favor da geração de energias limpas e renováveis, como a solar, a eólica, a de biomassa, a hidráulica e o hidrogênio verde.