As muitas dúvidas da Reforma Tributária, aprovada de goleada

Além das incertezas, que só serão dissipadas por leis complementares, a reforma já deixou sequelas: o PL de Jair Bolsonaro, que é contra, vaiou o governador Tarcísio de Freitas, que é a favor.

Legenda: A aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados foi por mais de 380 votos
Foto: Agência Brasil

Com mais R$ 5,3 bilhões de emendas parlamentares liberados pelo governo, aconteceu ontem à noite tudo o que, na véspera parecia muito difícil, quase impossível de acontecer: com 382 votos a favor e apenas 118 contra, foi aprovada, em forma de Emenda Constitucional, a proposta da Reforma Tributária que trata sobre os impostos sobre o consumo, um sonho que durava quase meio século. 

Sua aprovação deu-se em dois turnos. No segundo turno, que aconteceu em seguida, foram 375 votos a favor e 113 contra.

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Hoje, às 10 horas, a Câmara dos Deputados voltará a reunir-se para apreciar os destaques, ou seja, as várias emendas apresentadas ao texto da proposta. Ontem, a primeira delas foi rejeitada. Depois de aprovadas ou rejeitadas essas emendas, a proposta será encaminhada à apreciação do Senado Federal, que deverá também aprová-la em dois turnos. Se os senadores modificarem o texto, a reforma retornará à Câmara dos Deputados.

O pregão da Bolsa de Valores B3 desta sexta-feira repercutirá esse resultado, provavelmente de modo positivo. 

Mesmo aprovada, a Reforma Tributária só produzirá efeitos a partir de 2026. Boa parte do que ela preceitua terá de, nos próximos três anos, ser estabelecida por Lei Complementar, cuja aprovação dependerá de quórum simples. 

Assim, permanecerão as incertezas sobre o que realmente mudará na vida de quem produz, trabalha e empreende neste país, que tem hoje o que os especialistas chamam de manicômio tributário, a tal ponto que empresas de grande e médio portes são obrigadas a instalar e a operar um departamento de “planejamento tributário”, integrado por técnicos em tributação, tanto são os impostos, taxas, emolumentos, contribuições, instruções, portarias, decretos e resoluções baixados para criar dificuldades e vender facilidades nos âmbitos federal, estadual e municipal. 

É uma loucura da qual o empresariado pretende livrar-se o mais rapidamente possível.

Até ontem à noite, durante os mais tensos debates verbais que, em torno do tema, se travaram no plenário da Câmara dos Deputados e fora dele, persistiam as dúvidas sobre o conteúdo do texto da reforma. Essas dúvidas persistirão até que tudo seja esclarecido e entendido pelos contribuintes.

Uma dessas dúvidas indica que será feita pela Receita Federal toda a arrecadação dos dois Impostos sobre o Valor Agregado, ou seja, o CBS – que substituirá o Pis, a Cofins e o IPI – e o IBS, que substituirá o ICMS estadual e o ISS municipal. O produto dessa arrecadação será repartido entre os estados e os municípios. 

“Isso será o fim do Pacto Federativo”, chegou a dizer o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. 

Nas redes sociais, foram publicadas algumas opiniões interessantes, uma das quais insinuou que o governo federal, comandado pelo PT, deixará estados e municípios “comendo nas mãos de Lula e Haddad, e isto será o princípio do fim da democracia”. 

Exageros à parte, o que sobra na manhã desta sexta-feira, 7 de julho, do apaixonado debate em torno da Reforma Tributária é o fato de que ainda há um longo caminho a palmilhar, pois as suas minúcias legais – inclusive as relativas às alíquotas do IBS e do CBS – serão decididas por meio de leis específicas aprovadas pelas duas casas do Congresso Nacional. 

Resumindo: o sonho da Reforma Tributária seguirá sendo um sonho até que o Congresso Nacional – provavelmente à custa de mais emendas parlamentares individuais ou de bancada – cumpra com sua obrigação de dar, efetivamente, ao país um novo modelo tributário moderno e justo.

Acrescente-se às desconfianças existentes o temor de que, por trás dessa Reforma Tributária, se esconde o objetivo central do arcabouço fiscal – que é o de, por meio de um espetacular aumento da arrecadação, reduzir em 0,5% o déficit orçamentário deste ano, zerar esse déficit no exercício de 2024 e obter um superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026. Esse aumento da receita é estimado em R$ 150 bilhões.

Como acontece com todas as leis que o Parlamento brasileiro aprova, a da Reforma Tributária também deverá ser mais uma daquelas que fazem a festa dos escritórios de advocacia, ou seja, haverá – como sempre houve – pareceres jurídicos para todos os gostos, conduzindo o processo à decisão dos tribunais superiores. 

Ou seja, tudo continuará sendo como sempre foi – uma mixórdia. Mas devemos dar tempo ao tempo, pois, afinal, o tempo é o senhor da razão, como ensina Marcel Proust, repetido por Ulisses Guimarães.

Lula e seu ministro da Fazenda estão felizes com o texto da Reforma Tributária. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, também. 

A alegria de Lula levanta a suspeita de que será o cofre do Tesouro Nacional o seu grande beneficiado. A de Tarcísio de Feritas, líder do estado que produz 40% da riqueza nacional, é reveladora de que sua receita não sofrerá prejuízo, mas será muito incrementada. Se isto se tornará verdade, o tempo dirá, também. 

Há um setor que sai ganhando com a reforma – a indústria, que manteve isenções e incentivos fiscais, como os da Zona Franca de Manaus. Assim, não foi sem razão todo o esforço do comando da CNI e da Fiesp a favor da aprovação da proposta.
 
A agropecuária parece haver entrado numa zona cinzenta que as leis complementares definirão, ou não. Ontem à noite, a Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) publicou nota, garantindo que as reivindicações dos agropecuaristas foram atendidas, razão por que todo o grupo votou a favor da reforma.

Por sua vez, o setor de serviço, intensivamente empregador de mão de obra, teme que a Reforma Tributária lhe encaminhe a fatura dessa novidade. Isto quer dizer que o setor de serviços – dentistas, restaurantes, médicos e muito mais – terá sua carga tributária, que hoje é baixa, muito elevada, de acordo com as opiniões dos especialistas.

Consultas médicas e planos de saúde, que já são caros, tornar-se-ão caríssimos. Mas só a partir de 2026.

A aprovação da Reforma Tributária deixou sequelas. Por exemplo: foram quase rompidas as relações do ex-presidente Jair Bolsonaro com seu ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, hoje governador de São Paulo e uma nova liderança da política brasileira. 

Tarcísio foi vaiado por bolsonaristas que testemunharam sua reunião com o ex-presidente.