Projeto São Francisco: a grande esperança está ameaçada

Iniciado há 16 anos, o maior empreendimento brasileiro na área dos recursos hídricos já consumiu um Evereste equivalente a R$12 bilhões. E ainda está longe de ser concluído.

Empreendimento que, iniciado em 2007, já custou ao Tesouro Nacional um Monte Everest equivalente a mais de R$ 12 bilhões, o Projeto São Francisco de Integração de Bacias, apelidado de Transposição, está na UTI da irresponsabilidade do Poder Público, segundo disse ontem, em texto elaborado com exclusividade para esta coluna, o engenheiro eletrônico José Carlos Braga, que trabalhou no Ministério da Integração Nacional ao tempo em que o projeto foi elaborado. 

Especialista em energias renováveis, o engenheiro apontou vários erros técnicos que causaram alguns acidentes durante e depois da execução do projeto, um dos quais, o rompimento da tubulação da barragem do Jati, quase provocou uma tragédia. 

Houve de tudo na execução do ainda inacabado Projeto São Francisco, incluindo a erosão de um trecho do Canal Norte, na geografia do estado da Paraíba, causando a perda de um grande volume de água. 

A esses erros técnicos somaram-se desentendimentos que ainda persistem entre os governos dos estados beneficiários do projeto – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará – e o hoje denominado Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR). 

As partes não se entenderam, ainda, a respeito de como será dividido o custo de operação e manutenção dos canais Norte e Leste do empreendimento. 

Esse custo, só com o consumo de energia elétrica necessário à movimentação das motobombas das três estações elevatórias do Canal Norte (que transporte água do rio São Francisco para o Ceará, para o Oeste da Paraíba e para o Oeste do Rio Grande do Norte) é calculado em R$ 300 milhões por ano. 

Há indicações de que R$ 100 milhões desse total caberá ao estado do Ceará, cujo governo ainda não foi convencido da veracidade desses números. 

Essa conta, certamente, será incluída na fatura de todo o universo de clientes da Enel Ceará, com os quais o custo será dividido. 

Como desgraça pouca é bobagem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou ontem o aumento da conta de luz dos cearenses, que será majorada em 3,06% a partir do próximo dia 22. 

Neste momento, o Projeto São Francisco encontra-se gravemente ferido e, de acordo com o engenheiro José Carlos Braga, respirando por aparelhos. 

Está suspenso desde outubro do ano passado o bombeamento das águas do São Francisco para a Barragem do Jati, no Ceará, de onde seguem para açude Castanhão. Não há qualquer previsão de retomada desse serviço que foi suspenso – segundo o MDR – pela necessidade de manutenção dos motores. 

Há três estações de bombeamento ao longo do Canal Norte do Projeto São Francisco, e as três, de acordo com o projeto original, devem ter – e têm – três bombas, cada uma com capacidade de 10 m³/s. 

Mas só há uma bomba em funcionamento em cada uma das três estações elevatórios, embora estejam disponíveis as outras duas bombas, as quais seguem sem funcionar exatamente para não onerar o custo da operação. 

Como se observa, tudo é complicado e a solução está distante, pois tudo depende da disponibilidade de dinheiro, algo que se tornou raro em Brasília.

Demos graças a Deus, que, neste ano, abriu as comportas do Céu e fez chover bastante nas diferentes regiões do Ceará, tornando possível a recarga total dos seus pequenos e médios açudes, mas limitando a recarga dos grandes reservatórios. 

O Castanhão, por exemplo, represa hoje só 30% de sua capacidade total, que é de 6,5 bilhões de metros cúbicos de água; o Orós tem pouco mais de 50% de sua capacidade de 2,2 bilhões de metros cúbicos. 

Na Região Metropolitana de Fortaleza, os açudes que a abastecem – Pacajus, Pacoti, Riachão, Gavião, Aracoiaba e Acarape do Meio – guardam hoje 88% de sua capacidade total, que – se as chuvas prosseguirem ao longo deste abril – poderão alcançar a plena capacidade, o que significará água para mais dois anos. 

O que preocupa é a possibilidade de acontecer um El Niño, fenômeno da natureza que causa chuvas fortes e enchentes no Sul do Brasil e na Argentina e prolongadas estiagens no Nordeste brasileiro, onde nos encontramos. 

Voltando ao Projeto São Francisco: um dia, este país e sua elite política aprenderão a projetar, executar e operar, nos prazos pré-estabelecidos – sem corrupção – as grandes obras públicas.