Arcabouço fiscal: há expectativas e desconfianças no mercado

Como o governo garantirá uma receita anual de R$ 150 bilhões sem aumentar impostos? Esta é a pergunta. Lula desautoriza Haddad e isenta de tributos compras de até US$ 50 pela internet

Legenda: O ministro Fernando Haddad (foto) queria cobrar imposto de produtos chineses. Lula disse não.
Foto: Agência Brasil

E ontem, no fim da tarde, chegou ao Congresso Nacional o texto final da proposta do novo arcabouço fiscal. O próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou o documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, que, muito eufórico, disse ao presidente Lula que a proposta deverá estar aprovada até o dia 10 do próximo mês de março. 

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No mercado financeiro, o texto que cria a nova matriz fiscal do governo não trouxe novidade, pois veio em linha com o que já havia sido anunciado pelo ministro Haddad. Mas os analistas voltaram a manifestar sua desconfiança diante do ponto central da proposta do governo, que é sustentada na otimização das receitas da União. E a pergunta é: como farão o ministério da Fazenda e a Receita Federal para arrecadar uma montanha de dinheiro do tamanho de R$ 150 bilhões por ano?

Será essa a receita que o Tesouro Nacional deverá obter para garantir que seja zerado, em 2024, o déficit orçamentário, que neste exercício de 2023 é de R$ 231 bilhões. Para 2025, o governo prevê um superávit de 1% do PIB. É muito otimismo!

Será uma tarefa muito difícil arrecadar tanto dinheiro sem o aumento de imposto, como está dizendo e repetindo o ministro Fernando Haddad. Uma prova dessa gigantesca dificuldade foi dada ontem pelo próprio presidente da República, que, mais uma vez, desautorizou seu ministro da Fazenda, que havia mandado cobrar imposto de toda compra no valor de até US$ 50 (R$ 250 pelo câmbio de hoje) feita pelos brasileiros em lojas virtuais chinesas, que vendem pela internet.

Só com essa cobrança, estaria garantida uma arrecadação de R$ 8 bilhões por ano.

Coincidentemente, os principais setores da economia do país, por meio de suas entidades representativas, estão mobilizadas contra alguns aspectos das propostas de Reforma Tributária em tramitação no Parlamento e na qual também se sustentará o novo arcabouço fiscal.

Ontem, as confederações da Agricultura (CNA), do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), dos Transportes (CNT), da Saúde e do Cooperativismo publicaram um manifesto contra o que pretende a Reforma Tributária. São setores que respondem por 60% da economia nacional e dão emprego direto a 41,7 milhões de pessoas em todo o país.

De acordo com esse manifesto, a ideia central da Reforma Tributária, de criar um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) incidente sobre o consumo com alíquota única de 25%, vai provocar, imediatamente, o aumento de 22% dos preços dos alimentos da cesta básica, de 38% dos medicamentos e de 22% dos planos de saúde. Uma reforma com essa consequência terá grave repercussão social.

A sugestão dos signatários do manifesto é no sentido de que sejam criadas alíquotas diferentes para os distintos setores da indústria, do comércio, dos serviços e da agropecuária. 

As desconfianças do mercado em relação à proposta da nova matriz fiscal ampliam-se diante da impossibilidade de garantia de aumento da arrecadação tributária. Além disso, não há, da parte do governo, pelo menos até agora, medidas que revelem o seu compromisso com a redução do gasto público. 

O que existe no texto do arcabouço fiscal é a boa intenção do governo. Só! Falta, na prática, o bom exemplo no sentido da redução das despesas. Os economistas esperam que deputados e senadores melhorem a proposta do governo por meio de emendas que imponham aos três poderes do governo duras restrições de gastos, ao mesmo tempo em que tornem mais claras as medidas que visam o aumento das receitas. Mas isto só será possível por meio da Reforma Tributária que há muitos anos patina no Congresso Nacional.

Por causa de todas essas desconfianças, a Bolsa de Valores brasileira B3 fechou ontem quase na neutralidade, com alta de 0,14%, aos 106.163 pontos. O dólar avançou 0,78% e quase chegou de novo aos R$ 5, fechando o dia cotado a R$ 4,97.

Mas essa raquítica alta da B3 no dia de ontem foi causada pela boa notícia procedente da China, cuja economia experimentou um crescimento de 4,5% no primeiro trimestre deste ano. 

Foi um aumento que surpreendeu, pois o mercado esperava uma alta de 4%. As vendas do mercado varejista chinês cresceram 5,73% em março passado, ou seja, mais do que os 4,50% que o mercado projetava. 

O bom resultado do PIB trimestral da China causou imediata repercussão na Bolsa brasileira, onde as ações da Petrobras e da Vale, que exportam petróleo e minério de ferro para o mercado chinês, tiveram boa valorização no pregão de ontem.

Nesta quarta-feira, as bolsas asiáticas fecharam em queda e as da Europa abriram também no vermelho. E o preço internacional do petróleo negociado na Bolsa de Londres está caindo hoje 0,48%, cotado a US$ 84,36 por barril.