A conta pública, a doméstica, o SUS, o Plano de Saúde e a UTI do Coração
Por que o SUS, mais bem urdido plano de saúde pública do mundo e sustentado por um gigantesco orçamento, não tem a mesma eficiência dos Planos de Saúde? Resposta: por causa de sua lamentável gestão
Ou o governo brasileiro copia o exemplo milenar da economia doméstica, ou suas contas, que já estão perigosamente deterioradas – e o dólar em alta e a Bolsa em baixa são resultado dessa mixórdia – irão à ruína em poucos meses. Numa casa de família de classe média, por exemplo, é cláusula pétrea o elementar mandamento de que só se deve gastar o que permite a receita. Se esta, por algum motivo, apresenta-se aquém do gasto, a família reúne-se para cortar as despesas que devem ser cortadas, mantendo somente as indispensáveis, entre as quais a do Plano do Saúde. É o que determina o manual do bom senso.
Do mesmo modo deve agir o governo: para que não faltem recursos para a Educação, a Saúde e a Segurança, ele deve, responsavelmente, eliminar o que é supérfluo, buscando o equilíbrio do seu orçamento, que desde 2014 – vale lembrar – é deficitário (com exceção de 2022, quando registrou superávit primário). Em Brasília, sobra supérfluo nos três poderes da República, principalmente no Legislativo e no Judiciário; o que falta é coragem política para extirpá-los. Nos estados, passa-se o mesmo e conhecido filme de triste final.
A Saúde é um serviço essencial que deve o governo oferecer ao conjunto da população em troca dos pesados impostos que dele cobra. O Sistema Único de Saúde (SUS), o mais bem urdido plano de saúde pública do mundo, deveria ser modelo global, de tão bom e universal que é. E por que ele não funciona a contento?
Resposta: porque, de novo, o que a política brasileira tem de pior se apossou do sistema público de saúde, hoje cheio de vícios e de denúncias de corrupção, a respeito do que tem tratado, quase diariamente, a crônica policial.
Mesmo com tantas mazelas, porém, o SUS tem, aqui e ali, centros de excelência de gestão, inclusive no Ceará, de que é exemplo o Hospital do Coração Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, de Messejana, cujo setor de transplante, sob a atenta e abnegada coordenação do Dr. João David de Souza Neto, realizou, só neste ano, 28 procedimentos, todos gratuitos, todos do SUS. E atendendo a pacientes até de estados do Norte e do Centro Oeste.
Por causa das precariedades do SUS, de que não têm culpa os seus comprovadamente competentes profissionais – médicos e enfermeiros, principalmente – a classe média tem, há muito tempo, de precatar-se, recorrendo a um Plano de Saúde para garantir o seu pronto e eficiente socorro médico e hospitalar quando isto se faz necessário, e esta necessidade é constante para os de idade mais avançada.
Pois bem: protegido por um Plano de Saúde Empresarial, o da Unimed Fortaleza, celebrado com o Grupo Edson Queiroz, este colunista, um cardiopata de 81 anos, foi há dois meses detectado – por um demorado, cuidadoso e detalhado ecocardiograma realizado pelo Dr. Francisco de Assis Carvalho – com estenose aórtica de grau importante. Trata-se de um estreitamento da válvula do vaso sanguíneo principal que se ramifica do coração (aorta) e que a impede de abrir-se completamente, reduzindo o fluxo de sangue para o corpo, causando dor no peito, fadiga e falta de ar, sintomas que jamais senti.
Três dias após, uma tomografia com escore de calcificação – feita pelo Dr. Ricardo Rocha, do mesmo setor de imagens da Oto Clínica, credenciada pela Unimed Fortaleza, onde também se fez o ecocardiograma – comprovou a estenose e, mais ainda, localizou em uma das três pontes do paciente (uma safena e duas mamárias) outra obstrução de grau relevante. Eu corria, pois, o risco de uma morte súbita.
De posse das imagens e dos respectivos laudos, o Dr. Augusto Celso Lopes, especialista em Cardiologia Clínica e em Implante por Cateter de Bioprótese Aórtica (TAVI), igualmente integrante do time de cardiologistas da Oto Clínica, do qual faz parte também o Dr. João David de Souza Neto, planejou duas intervenções, ambas processadas no Centro de Hemodinâmica do Hospital da Unimed Fortaleza, um espaço estéril e controlado do seu oitavo andar reservado à realização de procedimentos minimamente invasivos, diminuindo assim os riscos de infecção. Dentro dele, estão os equipamentos de última geração tecnológica para essas intervenções. Os grandes hospitais públicos – como o HGF e o do Coração, de Messejana, também os têm.
A primeira intervenção a que o Dr. Celso Lopes me submeteu foi uma angiografia coronária (cateterismo) que instalou um stent na ponte seriamente obstruída da área revascularizada do meu coração. A segunda, um mês depois, no dia 29 de outubro passado, foi o procedimento de implante de válvula aórtica por cateter, o TAVI, no que ele foi assistido pelos doutores Luiz Carneiro, Roberto Ibiapina, João Bosco Breckenfeld e Jair Pereira.
“Quando completamos a troca valvar, o fluxo do sangue saltou de 100 para 200”, disse-me, visivelmente feliz, o Dr. Celso Lopes, repartindo comigo a alegria pelo êxito da intervenção. Os passos seguintes foram dados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Centro Hemodinâmico do Hospital da Unimed, e é aqui que começa outra história.
Essa UTI é uma minicidade pulsante, onde se misturam médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, técnicos em radiologia, operadores de eletrocardiógrafo, nutricionistas, psicólogos e mais o time responsável pela permanente higienização do ambiente, pela troca dos materiais utilizados, incluindo os da rouparia e pela distribuição das refeições.
Como vocês enfrentaram a guerra da pandemia da Covid em 2020 e 2021? – perguntei à enfermeira intensivista Suely Mota, que na tarde do dia 29 de outubro cuidou de mim e de outra idosa paciente com extrema dedicação. Sua resposta veio nos seguintes termos:
“Foi o momento mais difícil por que já passei na minha vida de profissional da saúde. Mas tudo nos deixou várias lições, a mim principalmente. Hoje, tenho a mais ampla a certeza de que nosso trabalho ajuda a salvar vidas, e é isto o que no move e o que nos torna felizes todos os dias”, respondeu ela.
Bruno Araújo, fisioterapeuta do plantão noturno do mesmo dia 29, ajudou-me a fazer os primeiros exercícios respiratórios, oito horas depois da minha troca valvar. Ele se declarou “um abençoado por Deus”, porque ama o trabalho que executa.
“Acho que nasci para ajudar os outros, pois é isto o que sei fazer e o faço com o melhor do meu esforço e da minha competência”, ele disse, enquanto me dava ordens de “inspire devagar” e “agora, respire lentamente”.
Neila de Paula e Wli (exatamente assim, Wli) Mariano, duas outras enfermeiras de plantão naquele mesmo dia, vestindo o conjunto de calça comprida e blusa verde musgo idêntico ao de suas demais colegas de trabalho, dividiam-se no atendimento aos seus dois pacientes – uma, simpática e falante, pedia que fosse ajustada a altura da cabeceira de sua cama; outro, gentil e de voz grave, queria saber como estavam seus sinais vitais.
“Que maravilha!”, exclamou ele ao ser atendido.
No centro do comando da UTI, usando uma bata branca sobre uma blusa azul celeste, a médica plantonista, profissional da cardiologia que preferiu o anonimato, dirigia todos os trabalhos, monitorando, em dois telões à sua frente, os sinais vitais de cada um dos pacientes. Para o internado leigo e curioso, caso deste colunista, o que havia à sua frente era uma azáfama; para a enfermeira Suely Mota, todavia, tudo estava na mais perfeita ordem:
“Hoje, o dia está bem calmo!”, ela resumiu.
No dia seguinte, 30, troquei a UTI pelo Leito 2 da Enfermaria 811 do Hospital da Unimed (cada enfermaria tem apenas dois leitos em um quarto amplo, com tv, minibar, duas poltronas – uma para cada acompanhante – e banheiro. Aí passei a manhã da quinta-feira, 31, monitorado e tomando os medicamentos prescritos pelos médicos.
No início da tarde, a alta tão aguardada e a volta ao lar, onde o sorriso dos netos, o abraço dos filhos e o aconchego amoroso da esposa há 58 anos (além dos 3 de namoro) puseram termo a esta crônica, que é concluída com a seguinte e maravilhosa informação:
Todos os médicos que emprestaram seu conhecimento científico e sua competência profissional à recuperação da saúde cardíaca deste colunista, por meio do seu Plano de Saúde, são, também, profissionais da saúde pública.
Eles prestam serviço ao SUS. Por exemplo: o Dr. Augusto Celso Lopes realiza, uma vez por semana, angiografias no Hospital Público Estadual de Limoeiro do Norte e no Hospital de Messejana; o Dr. João Bosco é servidor do Hospital de Messejana e, também, do HGF; o Dr. João Davi de Souza Neto é, igualmente, médico do Hospital de Messejana, especializado em doenças do coração, do qual é o coordenador do setor de transplantes.
O SUS, que tem os melhores profissionais da saúde, precisa de ser, também, o melhor no atendimento à maioria da população, aquela desprovida de Plano de Saúde. Para isto, basta que o governo administre melhor, com mais eficiência, os gigantescos recursos que o Orçamento da União e o dos estados reservam à área da Saúde. Não é algo impossível.
Medida profilática seria uma Lei que venha a proibir a nomeação de políticos ou indicados por suas legendas para a gestão do Ministério da Saúde e de qualquer um dos seus organismos vinculados, como a Anvisa. Essa gestão deve ser, obrigatoriamente, técnica, ou seja, entregue a um CEO pinçado no mercado, como são os gestores das grandes empresas privadas, incluindo as da área da saúde.
Isto é um sonho, mas é bom e livre sonhar.
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