A construção civil do Ceará e seus desafios em três tempos

Beto Studart, Otacílio Valente e Patriolino Dias desenham o hoje e o amanhã de uma atividade que está sempre incorporando novas tecnologias e novos materiais. O aço e o vidro vêm aí..

Legenda: Esta residência foi construída por robôs numa fábrica de casas no Japão, visitada por missão da Coopercom-Ceará em 2014
Foto: Egídio Serpa

Nos próximos cinco anos, ou um pouco antes, a construção civil no Ceará e no resto do Brasil começará a dar os primeiros passos em direção ao que já se passa no Japão, nos EUA e nos Emirados Árabes, onde os canteiros de obra estão dispensando o uso de pregos, madeiras, areia e tijolos e trocando a sujeira dos seus resíduos por novos materiais, destacadamente o aço. Este é o prognóstico de empresários cearense da incorporação imobiliária, para os quais as novas tecnologias da engenharia e da arquitetura estão chegando às mais modernas siderúrgicas do mundo, entre elas, em posição de liderança, a ArcelorMittal, que tem uma gigantesca unidade fabril no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, 80 quilômetros a Oeste de Fortaleza. Há um manifesto desejo de construtores modernos de trocar o concreto armado pelo aço. Mas, entre o desejo e a conquista, há um longo caminho.

Em julho de 2014, durante 17 dias, este colunista acompanhou uma missão empresarial da Cooperativa da Construção Civil do Ceará (Coopercom) – liderada pelo seu presidente Marcos Novaes e integrada por 21 empresários das principais construtoras do estado – que visitou Dubai, nos Emirados Árabes, Japão, Coreia do Sul, China e Austrália, conhecendo, entre outras novidades, o nascimento do que é hoje uma realidade – fábricas de residências unifamiliares sem canteiros de obra.
No Japão, na cidade de Kakegawa, a missão cearense viu um conjunto de 117 robôs operando nas 24 horas do dia, de segunda a sexta-feira, assistidos por 394 técnicos que, divididos em grupos, trabalhavam 12 horas ininterruptas e folgavam 24 horas. A empresa Sekisui House, instalada naquela cidade da região central do Japão, projetava, pré-moldava (com instalações elétricas e hidráulicas acabadas), transportava em carretas e instalava mensalmente, em área com fundações previamente prontas, 400 casas, cuja área variava até 140 m². Preço da casa de área máxima: US$ 1 milhão (R$ 5 milhões), sem contar o custo do terreno, que no Japão, principalmente em suas grandes cidades, vale uma fortuna. Foi nessa época que surgiu o conceito da “construção limpa”.

Desde 2014 até hoje, a tecnologia da indústria da construção civil cearense avançou na velocidade do frevo, graças aos engenheiros e arquitetos e aos seus projetos inovadores. Agora, é a vez de a indústria siderúrgica mostrar o seu valor, criando e desenvolvendo novos materiais.

Neste particular, esta coluna pode revelar que a ArcelorMittal, gigante mundial da aciaria, com unidades industriais em vários países do mundo, está – por provocação do empresário Beto Studart, dono do Grupo BSpar, e dos seus arquitetos e engenheiros – mergulhada no trabalho de pesquisa para encontrar o melhor aço capaz de atender às exigências estéticas e estruturais do BS Steel, novo empreendimento de Studart, que será todo feito em aço e vidro com previsão de estar pronto em 2029, na esquina das Avenidas Santos Dumont e Senador Virgílio Távora.

Mas, para o engenheiro e empresário Otacílio Valente, sócio e CEO da Construtora Colmeia, o concreto armado ainda liderará a construção civil. Ele argumenta: 

“Há 30-40 anos, trabalhávamos com concreto com resistência de 150 a 200 quilos por centímetro quadrado. Os prédios que estamos fazendo hoje já utilizam concreto com resistência de 800 quilos por centímetro quadrado. E tenho notícia de um prédio próximo que trabalhará com 1 mil quilos por centímetro quadrado. Isto significa uma redução nas peças de concreto, que passam a ser mais esbeltas, com redução do volume de concreto e, também, da taxa de aço.” 

Otacílio acrescenta: 

“O concreto é um dos itens mais representativos nas obras, e ele tem evoluído muito do ponto de vista tecnológico com a adoção de aditivos e com a tecnologia do cimento, que tem evoluído bastante. Eu entendo que a nossa mão de obra ainda é um item muito competitivo, sendo insensato afastá-la para industrializar tudo em aço, que, apesar de ser um material maravilhoso, tem um custo elevado, e a nossa mão de obra ainda é um custo bom, o que viabiliza o uso de argamassa, tijolos e coisas desse tipo.”

Ele segue com a palavra:

“Há um item no qual acredito e que melhorará nos próximos anos, que são as fachadas (dos edifícios) por conta da dificuldade, principalmente nos prédios altos, da instalação dos revestimentos, usando argamassa, usando tijolo convencional, usando cerâmica em um prédio de 150 metros de altura, eu diria que é uma temeridade. Você corre o grande risco de ter um desplacamento ou coisa do tipo. Esses prédios tendem a adotar uma tecnologia de revestimento à base de vidro ou alumínio.

“Temos também a alternativa da alvenaria em blocos de gesso para paredes internas, evitando o bloco cerâmico que pede reboco, enquanto o gesso já fica pronto para a pintura. Isto ajuda na redução de mão de obra e na prioridade da tecnologia da ‘obra enxuta, seca’, que dispensa o uso de água. 
Concluindo, Otacílio Valente informa:

“Outro item são os grandes formatos de revestimento – cerâmica, porcelanato, placas de material não cerâmico, mas industrializados, permitindo que, com uma única peça, você alcance 3 metros de altura por 1,10 m a 1,20 m de largura, e isto também são soluções que tendem a dar mais velocidade à construção, além de garantir a beleza estética”.

Quem agora entra, também, nesta história, como, digamos assim, convidado especial, é o líder da construção civil do Ceará, o empresário Patriolino Dias, sócio e diretor da Construtora Dias de Souza. A coluna encaminhou a ele algumas perguntas, e ele as respondeu com a elegância e a prontidão de sempre:

Quando você acha que a construção civil do Ceará deixará de produzir entulho? 

“Vamos obviamente falar eminentemente da construção formal, ou seja, aquela realizada por empresas formais, que contratam seus funcionários via CLT, obedecem a todas as legislações, atendem às normas de desempenho e de segurança do trabalho. Não há empreendedor que não deseje ter seus processos produtivos enxutos, eficientes energeticamente, custos reduzidos e prazo de execução menor. Entretanto, há uma premissa básica para qualquer setor produtivo e para qualquer empresário: a viabilidade econômico-financeira de seus projetos. 

“Invariavelmente, a produção de entulho é inversamente proporcional ao nível de industrialização e inovação dos processos produtivos. E para a industrialização em massa do nosso setor é requerida ainda uma série de melhorias no ambiente empresarial, ou seja, no arcabouço jurídico do nosso país, bem como de uma priorização do tema pelo governo, permitindo condições para essa transformação. 

“O sistema tributário brasileiro é um dos maiores empecilhos a essa mudança. A reforma tributária melhorará essa questão e permitirá o avanço da industrialização e construção off site em nosso país. Outro obstáculo é a falta de segurança jurídica que inibe o investimento de montantes elevados necessários à industrialização do setor. Além da necessária previsibilidade da economia, necessária para que o empresário possa acreditar que o investimento elevado realizado de fato possa retornar no prazo longo com uma economia com demanda estável. Todos estes últimos fatores existem em países desenvolvidos, nos quais podemos verificar a existência desses sistemas construtivos avançados. Entretanto, infelizmente não ocorrem em nosso país!


Quando ela abandonará fungos de madeira, pregos, martelos e resíduos sólidos, para tornar-se uma atividade ambientalmente limpa, usando o aço nas estruturas de seus edifícios comerciais e residenciais? 

“O aço, especificamente, é uma comodity cartelizada em nosso país. Com lobby fortíssimo, inclusive contra a importação. Veja o que está acontecendo exatamente hoje: com um baixíssimo nível de importação, o cartel, mesmo com lucros exorbitantes obtidos desde o ano de 2021 (pandemia) faz fortíssima pressão junto ao governo para aumentar impostos de importação. Essa situação não ocorre nos vários países onde a construção em aço é desenvolvida, como os EUA. 

“Sobre a construção com madeiras e pregos, veja que nos EUA há construções industrializadas, off site, em aço, mas também há uma fortíssima presença de madeira em suas construções. Madeira e pregos não são sinônimos de sistemas arcaicos e elevado nível de desperdícios e entulho. Muito mais que o material utilizado, o sistema produtivo racionalizado e enxuto contribuem muito mais para a redução de entulhos. E neste aspecto, retornamos à resposta anterior. 

Você visitou fábricas de casas no Japão. Quando isso será possível no Ceará?

“Já existem fábricas off site de construção de casas e apartamentos no Brasil. Ainda em escala muito reduzida devido aos entraves anteriormente mencionados. Creio que quando conseguirmos avançar nos temas acima informados, o ambiente se tornará mais fértil para uma disseminação de sistemas construtivos mais industrializados, limpos e mais eficientes energeticamente. 

4. Qual o futuro próximo que você imagina para a construção civil do Ceará? 

“Como mencionado, isso muito nos incomoda. Nossos empresários são verdadeiros heróis ao sobreviver no ácido ambiente empresarial brasileiro. A luta pela melhoria vem sendo travada há décadas e temos sim conseguido avançar gradativamente para uma melhoria tecnológica e ambiental. 

“Sobretudo mais recentemente pelo fato da necessidade de melhoria de nossa eficiência energética, em destaque e evidência no mundo, o governo começa a dar mais atenção ao tema e analisar os entraves acima descritos e de mãos dadas com o setor produtivo tem se sensibilizado para as necessárias mudanças estruturais a essa mudança de chave. 

“Reforma tributária, legislações como o marco das garantias, licenciamentos ambientais ágeis, digitalização de licenciamentos, redução da burocracia são alguns dos exemplos. Apoio e incentivo às práticas mais eficientes como juros reduzidos também são pontos que estão sendo trabalhados. 

“Cremos que estamos evoluindo gradativamente. Nossa produtividade já está muito superior à de anos atrás. Métodos mais enxutos, industrializados, são cada vez mais utilizados em nosso estado. Várias de nossas empresas já têm selo de eficiência socioambiental, como LEED, selo Casa Azul da Caixa. E com a melhoria do ambiente empresarial e o arcabouço legal, esses avanços serão acelerados, sem dúvidas.”

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