Saudade é para onde o coração quer voltar. O coração de Camila sempre quer retornar para dona Marcelina, e vice-versa. Não moram tão longe, 50 quilômetros uma da outra – a primeira no município do Crato, a segunda em Farias Brito. Mas qualquer distância é grande quando a gente gosta, né? É preciso inventar alguma coisa para superá-la.
O jeito que a Camila usou para se comunicar com a avó sem celular foi inusitado, mas bonito. Enxergou possibilidade nas câmeras de segurança. Instaladas na entrada e no quintal de dona Marcelina, registram os movimentos da casa e possuem sistema de áudio. É sobretudo este último recurso que alarga o amor. Quando percebe que a avó está disponível, a neta chama.
Começam a conversar por alto-falante. Outro dia a velhinha postou-se em frente à câmera, simpatia e prato na mão. “Vamo almoçar?”, disse. “Os outros estão comendo arroz com carne torrada. Mas eu tô comendo é com leite”. Em outro instante, foi pega no flagra: exibiu para Camila a lagartixa que salvou de um gato. “Tu quer que eu mande pra tu?”
Percebe? Nunca são grandes coisas, nada é tão urgente assim. A beleza fica por conta da simplicidade. Candura encontrada nos quatro cantos da residência: o lar de dona Marcelina é feito o lar de toda avó residente no interior – quadros de santos, calendários vencidos, máquina de costura. Sítio onde toda hora é manhã. As palmeiras dançam com o vento.
O ritmo de conversa e carinho entre avó e neta não é de hoje. Mora no cotidiano e nas lembranças. Camila recorda dos primeiros anos de vida, pé na areia e estrada à frente. Sempre adorou passar as férias na casa da avó e sentir a força do abraço, receber os mimos que só ela sabe entregar. Dona Marcelina é puro aconchego. Mas tem 15 anos que perdeu o brilho.
Foi acometida pela depressão ao se despedir para sempre da filha mais nova. O baque abriu espaço para outros: até hoje ela não está 100%. Ainda chora, ainda lamenta. Tem olhar doce, mas cabisbaixo. “Ela diz a todo mundo que está pronta para Deus levá-la”, confessa Camila. “Por outro lado, ama quando a gente está lá, ama a casa cheia de gente”.
É o motivo pelo qual a neta não quer desgrudar. Recusa fazer da rotina de ambas um mero avançar de horas. Em meio ao expediente frenético de professora, vez ou outra dá uma espiada no aplicativo da câmera para saber o que a avó está aprontando. Muitas vezes são afazeres singelos – o fato de dona Marcelina lavar as roupas antes de pôr na máquina, por exemplo. Não confia na eficiência do aparelho. “Tô ensaboando logo pra ir amolecendo”.
Outras vezes acendem alerta. Camila não chegou a ver o exato momento, mas soube pelas câmeras que a avó havia fraturado o fêmur, há dois meses. “Fiquei apreensiva por estar longe, mas ela veio para um hospital do Crato e ficamos juntas. Ela tem essa necessidade de contato, de comunicação. No sítio só moram ela, meu avô e meu tio, e ela e meu avô vivem brigando”, ri. “Minha avó é muito afetuosa, ama os netos dela”.
De manhã ou tardezinha, parece que essa ternura aumenta. São os períodos que Camila e dona Marcelina mais se falam, quando estão mais livres. Aí vem tudo: alegrias, dificuldades, comentários, sonhos. O querer maior da neta é ver a avó curada da depressão. Percebê-la de novo com aquela serenidade viva e densa. Que ela fique em paz consigo.
Aos 84 anos, o maior sonho da avó talvez seja viver um dia de cada vez, nutrindo-se do que realmente é grande e rico. Essa conexão direta com Camila, por exemplo: fazem as duas serem milionárias de afeto. “Você é rica, moça, e não tô falando de dinheiro”, comenta uma pessoa. “Todo mundo deveria saber o amor de uma avó”, solta outra.
As impressões estão nos vídeos postados por Camila nas redes sociais. O primeiro com dona Marcelina, publicado em 13 de abril deste ano, ultrapassa quatro milhões de visualizações. Um marco. Os outros vários abarcam detalhes que preenchem a tela com a doçura de quem sabe que esse mundo tem jeito. Seu Albuíno Fernandes também complementa a delicadeza. O avô surge sobretudo na calçada, conversando ou debulhando fava verde.
“Graças a Deus vivemos num tempo em que a gente tem a capacidade de guardar memórias para além da imaginação e da mente. Essas fotos e vídeos vão perpetuar por muito tempo para que, futuramente, eu possa, quem sabe, apresentar meus avós aos meus filhos que não venham a conhecê-los. É quase um museu virtual”, vibra a neta.
Este 26 de julho é Dia dos Avós. Pode também ser chamado de Dia do Afago ou Dia da Saudade. Se tiver chance, expresse o amor. Camila é prova: faz diferença. “Não sei durante quanto tempo vou tê-la, então vou aproveitar tudo quanto for possível. Minha avó é meu exemplo. Ela me mostra o lado bom da vida”.
Esta é a história de amor de Camila Porfírio pela avó, Marcelina Venâncio. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor