Quem é pai, ou mãe, já sofreu o tormento de dizer "não" ao filho. A palavra minúscula parece violentar um sentimento que é impossível de descrever. Mas não leva muito tempo para se reconhecer o paradoxo de que o não é não apenas bom, é essencial, é imperativo.
Sem os limites do não, a criança estaria solta na infinitude do desregramento. O território do "tudo é permitido", sabem bem os pais, é perigoso para a criança. De imediato, é uma ameaça física constante e potencialmente extrema. Envolve riscos não apenas para o pequeno; ameaça o outro. E, a médio e longo prazo, os perigos são ainda maiores.
Não faltam, claro, os incentivadores da pedagógica censura. "Vai deixar esse menino fazer tudo?", "Coloque de castigo!", "Eu faria isso e aquilo", "Ah! Se fosse meu...": todo um repertório detestável, que mistura ignorância e falta de empatia. Ironicamente, quem vai por aí, pelo "não" que abre mão do diálogo age como quem esperneia diante de uma negação, aquela que o mundo dá, quando as coisas não são como se queria que fossem.
No pior estilo do "Ah! Se fosse meu filho...", uma mulher disparou gás de pimenta no cinema porque outros espectadores - seriam crianças, inclusive - teriam dado spoilers do filme "Homem-Aranha: Sem volta para casa". Ao ser contrariada, foi naquele extremo da estupidez que já adentra tipificações do código penal.
Nessa semana, também se viu o linchamento digital do ator global Ícaro Silva, por ter falado de forma grosseira do programa BBB. Por mais rude que tenha sido, a declaração é um mais do mesmo da crítica que se faz desde a primeira edição do programa. Acaso o BBB sairá do ar por conta disso? É preciso tomar o que foi dito por ofensa pessoal, ao ponto de se engajar num cancelamento?
Ser contrariado, permitam-me o clichê, faz parte da vida. Não há como passarmos por esse mundo sem nos frustrarmos. Aquele não, tão difícil de um pai dizer quando somos crianças, é uma lição fundamental e radical. Ajuda a conviver com as negações que a vida tratá. Não determina nosso futuro, mas contribui para que não sejamos mimados e violentos, que a treta da vez nas redes sociais nos inflame um ódio apenas moderado e que nunca pensemos em disparar spray de pimenta em alguém que te contou como acaba o filme.