Escrevo esta coluna em colaboração com a Nívia Tôrres, pesquisadora Negra, psicóloga e trabalhadora da cultura, na intenção de demarcar a importância do Grupo Palmares e o estilhaçamento do Silêncio que acomete a memória do povo negro brasileiro, logo, a importância do dia 20 de Novembro – dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, que em 2024 terá o seu primeiro feriado nacional, dando ao povo negro brasileiro a oportunidade de não somente celebrar, mas também de continuar reivindicando e lutando por Zumbi e por condições menos precárias para viver.
O dia foi declarado feriado nacional por meio da Lei nº 14.759 de 21 de dezembro de 2023. Nívia Tôrres em "Estilhaçar as máscaras do Silenciamento", 2024, apresenta algumas reflexões importantes para o debate em tela. "A boca, além de simbolizar a fala, a representação, a voz, por meio da qual criamos formas de re-existências e possibilidades de se afirmar sujeito de direitos negados ao longo do tempo, se torna o principal órgão de opressão, o qual, querem e precisam controlar, logo, o órgão que historicamente tem sido severamente censurado. É necessário lembrar que essa lógica se reinventa a todo instante. E mais que isso, é preciso nomeá-la".
Em 20 de Novembro de 1971, na cidade de Porto Alegre, o Grupo Palmares realizava uma homenagem ao Zumbi, um dos líderes do Quilombo dos Palmares – o maior quilombo do período da plantation e considerado precursor dos movimentos negros existentes no Brasil. Na época, o título da Folha da Tarde foi: “Zumbi, a homenagem dos negros do Teatro” que, para divulgação, em decorrência da ditadura, precisou ter liberação da Censura.
Usando a contação de história, em círculo, teceram e acolheram a história de Palmares e a re-existência dos quilombos e, para além disso: defenderam o dia 20 de Novembro como o dia mais reparador, justo e afirmativo para confrontar e debater o dia 13 de Maio! Essa homenagem foi a primeira ação alusiva ao 20 de novembro que, em 1978, foi manifestado nacionalmente pelo Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR).
As contribuições de ativistas e ou intelectuais como Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg são de total importância para o debate público nacional, que vem sendo empreendido pelo Movimento Negro no Brasil nas ruas, nas universidades, nas instituições e nos movimentos sociais organizados desde os anos 1970. Para eles, "é no início dos anos setenta que vamos ter a retomada do teatro negro pela turma do Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN), em São Paulo, e o alerta geral do Grupo Palmares, do Rio Grande do Sul, para o deslocamento das comemorações do treze de maio para o vinte de novembro, etc" em Lugar de Negro, 1982.
Com forte influência de tais acontecimentos o grupo Palmares, composto exclusivamente por pessoas negras, adquiriu experiência como grupo de trabalho do MNU – o GT Palmares, influenciando posteriormente na criação do GT Lima Barreto e com a retomada de sua autonomia foram consolidadas outras possibilidades como por exemplo o grupo Kuenda, a Associação Negra de Cultura e o grupo “Coisa Preta”.
O Grupo Palmares carrega em si um arquivo-memória que até hoje possibilita reexistir a um passado que, por ora, ainda vem a coincidir com o presente. É uma possibilidade de reabilitar a singularidade e a diferença, resgatando a real história do Brasil. É a possibilidade de desmistificar “a razão negra ocidencial” considerando o mito da democracia racial, a construção social e política distorcida do Treze de Maio, e a implementação das políticas de ações afirmativas no Brasil – que, por ventura, tem o Quilombo dos Palmares como uma das mais importantes ações em prol da igualdade e equidade real, simbólica e intersubjetiva.
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio no ano 2024 trouxe para o debate da sociedade os “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” considerando, deste modo, o novembro negro e a valorização cultural do povo negro no contexto brasileiro.
Em um país onde as desigualdades, são marcadas por raça, gênero e classe, que nossas lutas sejam interserccionalizadas e que mais heróis e heroínas do povo negro brasileiro sejam celebrados. Que o dia de 20 de Novembro siga afirmando e reafirmando nossas lutas contínuas em contraposição a qual lógica que nos enclausuram, nos silenciam e nos invisibilizam.
Parafraseando Audre Lorde (1977), o que para nós é importante deve ser dito, verbalizado e compartilhado, afinal […] contribuir para uma sociedade anticolonial, conforme propôs Frantz Fanon, é retirar os tapumes que nos enclausuram, silenciam e invisibilizam (Nívia Tôrres in As Ações afirmativas em tempo Espiralar: (re)existência, luta, palavra e memória, 2024).
Celebrar Zumbi é celebrar a resistência da ancestralidade negra.
Viva o 20 de novembro!
Viva Dragão Dragão do Mar, Viva Marielle Franco!
Viva Teresa de Benguela!
Viva Tia Preta Simoa, Viva Thina Rodrigues!