Envelhecer com orgulho seria a vingança LGBTI+?
O tema da edição deste ano da 24ª Parada pela Diversidade Sexual do Ceará é “Quem chora por nós? Visibilidades, orgulho e direito de envelhecer”

Thina Rodrigues era uma travesti negra, sertaneja vinda de Brejo Santo, interior do Ceará. Aos 58 anos, foi uma das mais de 700 mil vítimas da pandemia de Covid 19 no Brasil. Antes disso, ajudou a fundar o movimento das travestis no estado e se constituiu como uma importante referência de ativismo por direitos LGBTI+. Se você cruzou o caminho de Thina alguma vez, certamente ouviu uma frase que, com o tempo, acabou se tornando a marca dos seus discursos: “Quem chora por nós?”, indagava ela, costumeiramente emocionada, citando as incontáveis companheiras travestis que já havia perdido para a violência.
Eis que se aproxima agora 24ª Parada pela Diversidade Sexual do Ceará, marcada para 29 de junho, e o Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB) anunciou que o tema desta edição é “Quem chora por nós? Visibilidades, orgulho e direito de envelhecer”, resgatando o famigerado questionamento de Thina para debater o direito à velhice num país que, há 16 anos consecutivos, mais mata a população LGBTI+ no mundo.
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Essa reflexão sobre orgulho e envelhecimento integra uma tendência de alinhamento nacional entre importantes entidades organizadoras de Paradas LGBTI+, incluindo a Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo, as quais observam com preocupação o cenário brasileiro. De um lado, somos um país em acelerado processo de envelhecimento. O último Censo Demográfico do IBGE revelou, por exemplo, que o número de pessoas com mais de 60 anos cresceu 56% no intervalo entre 2010 e 2022. Por outro lado, o direito de envelhecer não tem sido uma realidade acessada da mesma forma pela população LGBTI+, especialmente entre travestis negras, cuja expectativa de vida, de acordo com alguns estudos, é de apenas 35 anos no Brasil.
Aqui entre nós, envelhecer não é fácil pra ninguém. Ao lado de todas as potencialidades positivas desse processo, existem também as possíveis vulnerabilidades de ordem física, econômica, psicológica e social impostas pelo tempo. Ao propor um olhar interseccional entre orgulho LGBTI+ e o direito ao envelhecimento, o que o movimento social nos sinaliza não é a romantização da velhice, mas o entendimento de que essa trajetória comum à vida humana não deveria ser mais distante ou mais desafiadora em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero de alguém, sendo papel do Estado/Nação e de toda a sociedade garantir que todas as pessoas acessem a longevidade com dignidade.
Se ainda estivesse em matéria entre nós, Thina Rodrigues seria hoje uma senhora idosa, no alto dos seus 63 anos de idade, vendo sua frase habitual sendo utilizada como tema de um dos maiores eventos cívicos-culturais do país. Por trás de um questionamento supostamente simples, “quem chora por nós?” faz uma provocação profunda, endereçando um convite para que cada pessoa reflita sobre os limites do seu compromisso com a defesa da vida, especialmente quando se fala de vidas travestis e trans.
Quem, além de nós mesmas, pessoas LGBTI+, se importa realmente conosco? Por que - geralmente - apenas ativistas LGBTI+ estão pautando cotidianamente a luta por um mundo melhor para LGBTI+? O quanto as pessoas que se afirmam aliadas à causa pró-diversidade e que ocupam espaços de visibilidade ou de decisão política emprestam, de fato, os seus privilégios para mudar a nossa realidade? Responder com honestidade a essas questões não é tarefa confortável e Thina sabia disso.
No dia 29 de junho, a partir das 13h, a Parada pela Diversidade Sexual do Ceará percorrerá a Avenida Beira Mar em Fortaleza e a luta seguirá também por outras trincheiras, afinal, enquanto viver for privilégio de alguns, reivindicaremos o direito de envelhecermos, vou nem dar gosto pro sistema! Parafraseando aquela indagação ancestral, me importa também saber: para além do mês do Orgulho LGBTI+, quem seguirá chorando e marchando por nós?
SERVIÇO
24ª Parada pela Diversidade Sexual no Ceará
QUANDO: 29 de junho de 2025 (sábado), a partir das 13 horas
ONDE: avenida Beira Mar, em Fortaleza (em frente à Barraca do Joca)
QUANTO: aberto ao público
EXPECTATIVA: 1 milhão de pessoas
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.