Cheguei em casa numa sexta-feira à noite e deparei-me com uma das coisas mais espetaculares que já vi na vida. [Faço aqui uma pausa-suspense para dizer que: enquanto escrevo esse texto pego-me pensando em que outro momento desta minha existência de milagres já me vi diante de algo tão paradoxalmente extraordinário e, simplesmente, natural].
Seguindo, ainda, com a pausa-devaneio, refiro-me a esse natural com o qual estamos cada vez menos acostumados, já que vivemos constantemente com a pressa de resistir, de olhos abertos a não enxergarem. De caminhos atravessados pelo que nem sabemos definir. E sentir? Falta-nos coragem para falar sobre nossos sentimentos porque é mais comum nada transparecer. Ser inatingível nos dá a ilusão de que somos fortes. Ilusão e vaidade - é bíblico.
Pois bem: voltando ao que vi, naquele dia, deparei-me em casa com a mística, lendária, histórica e tradicional flor do mandacaru. Sim, aquela que se faz herdeira do nosso semiárido. Cheguei e lá estava ela. Aflorada, impetuosa, vibrante, dando um espetáculo entre os espinhos de um cacto em vaso cultivado num ninho de amor e aventuras, na minha área da porta da frente.
Há uns dias já era esperada porque havia dado sinais de que viria. Foi chegando aos poucos, num fragmento rude, que começa a se formar entre a bela hostilidade da planta que impressiona também pelo seu ar de resistência e proteção.
Brotou, então, flor. Inexplicável, delicada, forte, exuberante e milimetricamente trabalhada pela natureza tantas vezes adiada por nós. Imperou sozinha por cerca de 24h, roubando as atenções entre qualquer outra que ousasse tomar o caminho do nosso olhar.
Ali, parei por alguns minutos todos esses afazeres automáticos de quando se chega em casa, e "acheguei-me" à planta. Eu estava realmente impressionada e, mulher de palavras que sou, tentava encontrá-las para definir o que eu sentia. Eu sinto muita coisa, disso todos já sabem. Mas caio em certa agonia quando não tenho condições de explicar, verbalizar, entre falas ou escritas, as sensações que, tais quais essa, me tomam.
Mas, pós-agonia, perdoei-me. Parei também ali a minha ansiedade e dei-me a chance de só contemplar. Criei coragem para sentir, sem tanto ter que expressar, explicar. Até porque já sei que pele e coração nem sempre falam a nossa língua. Tanto é que, uma semana depois, ainda não consigo bem definir minhas próprias emoções diante da flor do sertão.
Vivo muitas vezes essa espécie de "Só sei que nada sei" (socrático), em pleno ato de sentir — e continuo sentindo. Relembro, escrevo e também percebo uma certa saudade nos olhos. Mas, muito além disso, faço memória. Guardo em meu próprio tempo um (consciente) privilégio de ter instantes infinitos. Como aquele com a flor, e tantos mais. As sensações permanecem — e me levam a muitas outras emoções…
Mas estamos tão acostumados com a domesticação e o modo artificial de experimentar a vida, que muitas vezes nos vemos comparando os sopros da natureza com as artificialidades criadas à mão humana. Não nos assustamos com a exigência de termos atos e sentimentos maquínicos; demoramos mais tempo nos espantando com o percurso natural que é uma rosa nascer perto de nós do que contemplando a mágica que é a resistência de uma bruta flor entre espinhos. Feito a vida, que é mágica, susto, bruta e espinho. E ainda assim nos dá flores em oferenda. Saravá!