Sou jornalista, estou editora. Trabalho, há mais de uma década, contando histórias da vida real. E também transbordo. Entre crônicas e poesias, divago sobre algumas das experiências sentidas. Na Universidade, ainda há tendências que abordam o ensino da imparcialidade. No entanto, entre rotinas, nem sempre a redação consegue nos fazer suprimir as lágrimas.
Foi assim em algumas coberturas, como a queda do Edifício Andrea, em 2019; vendo a dolorosa retirada de comida do lixo por pessoas com fome em plena pandemia, em 2021. Novamente, foi assim lendo as cartas de Ysadora e Jefferson, crianças que pediram ao Papai Noel dos Correios comida para a família e emprego para o pai.
Minutos depois, quase ao mesmo tempo, eu tentava estruturar uma pauta sobre o Dia dos Direitos Humanos, celebrado neste 10 de dezembro. Metáfora, destino, coincidência, afronta? Desafio. É preciso ser honesta.
O choro nem sempre vem apenas em lágrimas, ele transborda entre palavras e incômodos tantos. Porque, sim, somos humanos, com direitos. Humanos? Como ser imparcial diante da menina cearense que pede ao Papai Noel dos Correios emprego de porteiro para o pai que perdeu o trabalho? Ante ao menino que pede como presente de Natal uma cesta básica? Impossível.
Como ser imparcial quando pautar o Dia dos Direitos Humanos nos faz lembrar de tantos nomes, histórias e invisibilidades, que só nos mostram o quanto os nossos direitos são feridos, atacados. Desrespeitados. Hoje, refletindo sobre os nossos direitos, a nossa Humanidade (?), relembro Dandara, a travesti assassinada; Marielle, a vereadora assassinada; os tantos Josés e Marias, que foram mortos, sem direito à vacina. Às liberdades.
E também esqueço-me onde tudo isso começou porque o fio da meada não tem fim, é uma teia que tende a ser armadilha num mundo em que, enquanto choram os famintos, os esquecidos, se sobressaem discursos como o do “é melhor perder a vida quer a liberdade", como pronunciou o presidente do País e seu ministro, o da Saúde.
É melhor comer, ter saúde, educação, segurança e liberdade para usufruir dos direitos que, sim, todos temos. É melhor sentir-se livre para ser quem se é, mesmo quando somos estacionados, várias vezes na vida, diante da frase de Renato Russo: “a humanidade é desumana”. De fato, são muitos episódios de desumanidade dos seres que aqui estão e parecem em descompasso, inclusive, consigo mesmo. “Mas ainda temos chance”, completa o músico em que ainda acredito.
As aspas emprestadas de Renato são de tempos atrás, mas refletem os nossos passados tão presentes quanto a precisão das incertezas dos nossos futuros. No Dia dos Direitos Humanos, os discursos são infindáveis e já não dão conta de saciar as incontáveis fomes de quem é tão desrespeitado na vida, entre gritos e silêncios de horror. Nessa lista, alguns estão mais carentes e mais feridos, com toda certeza, mas, repare bem: o cenário fere todos nós.