Nosso pensamento é livre, autônomo. Temos ternura e dureza, cada uma em sua medida — a nossa. Poesias certas. De amor e dor. Nossa mente não tem dono, não está nos moldes do que declamam homens, ou mesmo mulheres que talvez nunca tenham parado para se pensarem quem são, como são. Por que somos? Não interessa!
Os nossos direitos estão sempre à deriva; nossos amores ordinariamente questionados. Nossa liberdade, uma pauta na agenda de quem nem sabe de si, muito menos de nós — outras que somos, tantas que temos umas às outras. E todas que já não temos mais, porque não libertaram a constância carne-verbo-alma tal qual livres são nossos sentimentos.
O medo nos ronda dia a dia. De coisas concretas, pessoas. E também fobias imateriais, metafóricas, frutos das prisões com as quais já nos deparamos na vida, nas nossas, nas de outras tantas de nós. O temor de termos nossa dignidade refugada, nossos direitos tomados, nossas almas para sempre marcadas, como têm sido nossos corpos. Entre cortes físicos e simbólicos. Históricos.
A dor das mulheres oprimidas é imensa. É medo! E é de todas nós. De todos. É clausura pública. Domínio coletivo. De quem ainda está aqui, e também das nossas ancestrais; e das meninas que estão por vir. É uma ferida universal, um retrocesso que parte corpos, corações e mentes. Crava muros em mundos inteiros, de homens também. Aparta, destrói. Uma herança viva que se faz morta aos nossos olhos.
Tanto disso nos silencia porque as feridas abertas, ou mesmo cicatrizadas em nós, parece que estão sempre ao dispor de quem não sabe a imensidão que aqui carregamos. Desconhece o quanto a nossa doce criatividade precisa se tornar braveza, ferocidade para que possamos amanhecer, com os nossos direitos.
Perplexas, vemos os direitos dos nossos corpos, as nossas tradições, e vontades, serem direcionadas frente a discursos, religiões, dogmas, palavras e políticas que não nos cabem, justamente porque o nosso tamanho tem se agigantado dia a dia. Sem tempo nem espaço demarcado. Nosso território é imensidão.
Como nossa grandeza só se expande, temos sido combatidas por tantas ordens de caos, e nos vemos, como por espelhos, entre mulheres afegãs, brasileiras vítimas de femicídio, meninas abusadas, mulheres trans invisibilizadas, esposas reprimidas, físico e psicologicamente violentadas... Vozes que ecoam uníssonas.
E quanto mais nos oprimem, mais cresce o direito que temos de escolher quem somos. Quem amamos, quem não queremos mais ser. Nossa fé, nossa orientação sexual. Quando ou de quem seremos mães; o tamanho da nossa saia e a cor do batom. Se seguimos ou se recuamos. A quem importa?
A sensação é de que somos uma audácia. Confrontamos pelo simples fato de existir. Resistir? Nem se fala. Os nossos gritos, e também nossas vozes guardadas, são reconhecidos entre olhares marcados pelo medo, mas também pelo amor. Pela maestria que temos em estender a mão. Em avançar.
Talvez por tudo isso, e nem tanto, o questionamento mais comum entre os nossos silêncios é um só: até quando o "ser mulher" será uma afronta? Já não cabemos nas medidas insanas e incoerentes desenhadas, ditadas, traduzidas para nós. Não cabemos em roupas, livros, dizeres e "decências" de quem não conhece o tamanho do ser-humano-mulher.