Nas escadas da Estação das Artes, lembrei que há tempos entendi o quanto idas e vindas marcam nossa existência, como se estivéssemos em uma eterna estação de trem
Eram 11 horas de uma manhã, e Fortaleza me envolvia com alguns dos tantos braços fortes com os quais costuma aninhar os seus, várias vezes na vida: o calor brilhante de um sábado, uma praça escaldante como cenário no meio do Centro da Cidade, e um punhado de memória que se apossou de mim enquanto eu subia os degraus do Complexo Cultural Estação das Artes - antiga Estação Ferroviária João Felipe - na Praça da Estação.
Olhei para aquelas colunas gigantes que sustentam tanto as estruturas, quanto um legado de histórias sobre a cidade, e sua gente entre muitas gerações. Fotografei primeiro com o olhar, e depois com a câmera do celular, a praça toda aberta a mim, que parece ter estendido ainda mais sua imensidão depois de passar por uma reforma entre 2021 e 2022. Um cenário totalmente diferente de poucos e tantos anos atrás.
Cheguei ali, mas logo voltei, no tempo…
Muitas das vezes nas quais caminho por Fortaleza sinto uma enorme vontade de abraçá-la como se fôssemos, cidade e eu, ao mesmo tempo, pessoas. Aconchego em meu olhar as ruas, calçadas, árvores, gente e alguns detalhes que se agigantam dentro de mim e das narrativas de vida real que em alguns momentos consigo versificar.
Quando eu era criança costumava andar muito mais pelos incontáveis bairros nos quais morei e seguir longas caminhadas entre as praças do Centro onde me aventurei em busca de roupas, tênis de escola, feiras de troca livros usados e as comidinhas de fim de turno.
Rua acima, rua abaixo, compras apressadas entre camelôs e os melhores preços de “mêi de rua”. Andava alerta a tentar decorar os nomes de vias para o dia em que eu conseguisse chegar sozinha ao Centro da Cidade, meu lugar de aventuras.
Lembrei ainda que certo dia, entre meados de 1990, cheguei a perder-me a caminho da escola. Não sabia muito bem onde estava, mas sempre soube onde queria chegar, e tratei de resolver. Busquei ajuda, encontrei resposta e segui caminho entre os variados pontos de ônibus da Praça da Estação que atravessava minha rotina.
Virei a ‘menina da estação’, na praça e na vida, em metáfora e em história real. Entendi que idas e vindas marcam nossa existência, como se estivéssemos em uma eterna estação de trem, de encontros e partidas, de nós e de muitos. Aprendi “para sempre” que, algumas vezes, a gente muda de rota, o que nos assusta e, paradoxalmente, nos liberta.
A Praça Castro Carreira, muito mais conhecida como a Praça da Estação, virou, também “para sempre”, um espaço de referência na cidade: se tornou o lugar onde eu lembro que pareço até ter crescido por dentro, ao remexer em dois dos sentimentos que tanto nos afligem, e também nos norteiam: o medo e a coragem.
Feito animais vivos e ferozes dentro de mim - e certamente em muitos de nós -, essas duas sensações oscilam em muitos instantes, lugares e também em memória. Que alívio é ter coragem. Que coragem é voltar no tempo. Ter ontem e hoje em nós, nos cadernos de poesias, nas palavras soltas e no meio do Centro da Cidade.
Hoje, décadas após aquele dia em que me vi perdida, estou na Praça da Estação, mas já não a vejo se abro os olhos. Aqui, no mesmo endereço, no mesmo sol daquele dia de anos atrás, alterno-me entre o que um dia foi o lugar e o que agora aprecio. Entre o que fui e o que ainda sou, e em como os lugares da cidade se fazem memória constante em nós.