Cearense de 71 anos aprende a plantar para compartilhar o quintal com os vizinhos, em Fortaleza

Legenda: A artesã Maria Lúcia Viana decidiu aprender a plantar aos 71 anos
Foto: Sal Filmes / Divulgação Mercado AlimentaCE

Aos 71 anos, a artesã Maria Lúcia Viana decidiu que era a hora de aprender a semear. Em julho deste ano, foi aprovada no edital mais concorrido para a bolsa de estudos sobre hortas comunitárias e, desde então, transforma seu quintal em um laboratório vivo, partilhando os frutos com os moradores do bairro Moura Brasil, em Fortaleza.

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Em uma área pequena na frente da sua casa, dona Lúcia começou a cultivar tomate, pimentão, pimenta, acerola e maracujá.

“Eu tinha minhas plantinhas, mas não a sabedoria de plantar como tenho agora. Aprender essas técnicas aos 71 anos está sendo uma experiência ótima, não fico ociosa porque me empenho a produzir”, relata.

Artesão sentada
Legenda: Dona Maria Lúcia Viana tem aprendido técnicas de cultivo
Foto: Sal Filmes / Divulgação Mercado AlimentaCE

Para ela, a plantação vai ajudar a complementar a renda como aposentada, mas também reduzir o impacto da alta dos alimentos em toda sua comunidade. 

"Acho que em dezembro já vamos conseguir colher algo, que quero compartilhar com as minhas vizinhas. Quando falta algo, uma vai lá e ajuda a outra, pois um cheiro-verde, por exemplo, custa R$ 5,00 e mal dá para temperar duas panelas”, diz.

Para se ter ideia, a inflação do tempero mencionado pela artesã chegou a 13,5%, no acumulado deste ano até outubro, na Região Metropolitana de Fortaleza.

Nesse mesmo período, hortaliças e verduras registraram alta de 11,16%, enquanto as frutas tiveram um aumento de 8,81%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O indicador, voltado para a medir a inflação sobre a população com renda de até cinco salários mínimos, demonstra o impacto do aumento dos preços dos alimentos na segurança alimentar dessas famílias, especialmente em comunidades como a de dona Lúcia. 

O Moura Brasil está entre os territórios com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), marcando 0,28 e ficando na 77ª posição entre os 119 bairros de Fortaleza. O dado mais recente é de 2010, conforme documento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SDE).

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A metodologia para calcular o indicador considera aspectos como saúde, educação e renda, variando a pontuação de zero a um. Quanto mais próximo do maior número (1), melhor. 

Papel social e ambiental das hortas comunitárias 

Comunidade
Legenda: A comunidade participa do aprendizado sobre hortas com base na agroecologia, utilizando técnicas que respeitam o meio ambiente
Foto: Sal Filmes / Divulgação Mercado AlimentaCE

Iniciativas complementares como essa podem ajudar a mitigar os efeitos da inflação, gerar renda para as comunidades e reduzir problemas ambientais e sanitários, transformando terrenos abandonados em espaços produtivos.

Atualmente, Dona Lúcia integra uma equipe de quatro bolsistas que está trabalhando no mapeamento de áreas para a implantação de hortas comunitárias no bairro. Ao todo, serão cinco espaços compartilhados, incluindo o Complexo Cultural Estação das Artes.

O primeiro quintal produtivo finalizado foi o do seu Chico, de 67 anos, e da dona Cleide, de 63 anos. Com a maior área da região e uma plantação já existente, o projeto incluiu jerimum, maracujá, couve e pimentão. 

Além disso, foi construído um galinheiro e um tanque para criação de tilápias. Veja:

Conforme a coordenadora de desenvolvimento do Mercado AlimentaCE, idealizadora do projeto, Manjari Ikeda, o objetivo é que as culturas agrícolas atendam às necessidades de subsistência da comunidade.

"Além da horta em si, o projeto prevê mutirões para que os moradores participem do processo de colheita. A produção será dividida entre eles, considerando que, segundo estimativa de uma das lideranças, 25% da população do bairro vive em situação de insegurança alimentar", explica.

Conforme a coordenadora, a depender dos resultados das colheitas, o excedente será comercializado, gerando renda extra para a população. Os quintais foram selecionados com base no potencial da área e no engajamento dos moradores, critérios identificados em visitas e análise de imagens de satélite.

A rua mais verde, localizada próxima ao trilho ferroviário, concentra os quatro terrenos que estão sendo desenvolvidos no momento. O projeto, inicialmente previsto para quatro meses, poderá ser estendido até fevereiro do próximo ano, permitindo a inclusão de mais hortas comunitárias. 

Entenda o projeto 

Grupo de estudo
Legenda: Por meio de encontros periódicos e ações na comunidade, o programa busca o pensamento crítico sobre comida, cultura e natureza, além de promover o cultivo em pequenos espaços urbanos, desenvolvendo temas como segurança e educação alimentar, autonomia e resiliência
Foto: Sal Filmes / Divulgação Mercado AlimentaCE

Segundo o Mercado AlimentaCE, o projeto Hortas Comunitárias tem como objetivo principal ampliar a visão e as relações das pessoas com a comida e com o meio ambiente. Através de atividades como oficinas e encontros, o programa prevê:

  • Promover o cultivo de alimentos em pequenos espaços urbanos: incentivando a produção de alimentos saudáveis e orgânicos em áreas urbanas;
  • Fortalecer a segurança alimentar: garantindo o acesso a alimentos nutritivos para a comunidade;
  • Educar sobre alimentação e nutrição: promovendo o consumo consciente e a valorização dos alimentos locais;
  • Fomentar a autonomia e resiliência: ensinando técnicas de cultivo e incentivando a produção própria de alimentos;
  • Estimular o pensamento crítico sobre comida, cultura e natureza: promovendo debates sobre os sistemas alimentares e a importância da sustentabilidade.

A horta comunitária do complexo, aberta ao público, combina o plantio de hortaliças com um paisagismo etnobotânico utilizando espécies nativas do Ceará, como pau-branco, jurema, jucá e babaçu.

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