Por amor às feiras

Ao chegar na cidade e nos espaços da feira, os raios de sol ainda timidamente iluminavam os homens, as suas mercadorias e as suas barracas.

Legenda: A feira é um microcosmo da/na cidade. É um produto milenar.
Foto: Brenda Albuquerque

As memórias geralmente nos traem. Que pese essa máxima, lembro quando pela primeira vez que visitei uma feira livre. Era ainda madrugada quando, junto ao meu avô, subi na boleia de caminhão com destino a feira de São Bento, em Cascavel, hoje integrante da região metropolitana. Nossa missão estava dada, comprar um filhote de porco, ou como dizia meu velho, um “bacurim”. Pela aventura, senti-me deveras entusiasmado.

Ao chegar na cidade e nos espaços da feira, os raios de sol ainda timidamente iluminavam os homens, as suas mercadorias e as suas barracas. Ao passar das horas, percebia que a aglomeração ganhava volume. Mais barracas eram armadas, outras tantas mercadorias (vivas e inanimadas) coloriam os expositores na rua, na praça e no mercado. Em poucas voltas do ponteiro, a onda de gente preencheu as passagens e os novos ouvidos, tamanho eram os barulhos.

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A inexperiência explicava minha admiração generalizada. Quase tudo me prendia a atenção, no entanto, rapidamente entendi uma ordem naquele aparente caos. Descobri uma repartição do espaço e das funções internas à feira. Acho que foi a primeira vez que vivenciei na prática um zoneamento funcional e diferenciação de áreas, expressões técnicas e pomposas que viria a estudar nos bancos universitários.

Meu avô e eu, depois de uma tapioca com café, fomos à feira dos animais. Mirando todos os bichos e, especialmente, os porquinhos compreendi as dificuldades em adquirir o pequeno suíno. Primeiro, o velho Chico identificou os mais interessantes exemplares; na sequência era necessário examiná-los e ter certeza se eram saudáveis; e por fim, o acordo não se fechava sem dura negociação entre o esperto vendedor e meu avô.

Depois da minha primeira visita a feira, outras oportunidades se concretizaram. Anos após, acompanhei meu pai na feira de Messejana, uma das maiores da capital.

Como minha mãe herdara o gosto pelos porquinhos, viemos à capital comprar um espécime. Já adolescente, fui tantas vezes com amigos. Íamos portando castanhas de caju para vendermos aos atravessadores. Com o dinheiro arrecadado com a venda das amêndoas, comprávamos roupas e calçados. Na vivência, fazíamos valer as relações campo e cidade: levávamos as matérias primas e voltávamos com os produtos industrializados. Pensem numa balança comercial “pessoal” bem desigual, para nós, lógico.

No presente, tive o prazer de, em companhia de meus dois filhos, ir à feira tanto em Cascavel como em Messejana. Passados décadas da minha primeira visita, elas acompanharam as mudanças tecnológicas e econômicas da nossa era.

Além dos produtos artesanais e animais, há barraquinhas repletas de produtos importados de muito longe, quase tudo da China. Em parte, a feira se globalizou. O que não mudou foi o seu sentido, a aglomeração, as interações pessoais, os cheiros e os barulhos. A feira continua popular e eu, particularmente, gosto muito.

A feira é isso. A feira é bagunça, é caos, é movimento. A feira é um microcosmo da/na cidade. É um produto milenar. A feira está em todo lugar, em todos os países. Feliz é a cidade que tem pelo menos uma feira para chamar de sua.



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