O futebol, do mundial ao local

Legenda: Lembremos que tudo está, de uma forma ou de outra, relacionado: esportes, política, economia, geografia e cultura

“Bola na trave não altera o placar, bola na área sem ninguém pra cabecear, bola na rede pra fazer o gol”. ... Os trechos da música “É uma partida de futebol”, do grupo Skank, lembram-nos a paixão pelos esportes e a inspiração que eles suscitam. Mas, que tal se pudéssemos aprender muito mais com essa invenção social competitiva e divertida?  

Lembremos que tudo está, de uma forma ou de outra, relacionado: esportes, política, economia, geografia e cultura. Por exemplo, a Copa do Mundo Masculina de Futebol é um dos grandes eventos esportivos da atualidade. Realizado a cada quatro anos, em países e cidades diferentes, permite-nos conhecer a história do esporte e as características dos países das equipes participantes e, principalmente, conhecer o espaço-tempo do povo anfitrião. 

Pensemos o exemplo da Copa do Mundo Masculina de Futebol de 2022, organizada no pequeno Catar. Como toda competição, a Copa do Mundo utiliza-se de critérios técnicos e comerciais (afinal, são grandes negócios), com isso é possível perceber uma regionalização diferente daquela que estamos acostumados a observar no Mapa Mundi.   

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As organizações mais gerais, chamadas de confederações, não estão enquadradas na divisão continental clássica. A Europa é a com maior número de competidores (40,6%), enquanto África e Ásia tem 15,6% cada. Por fim, a América do Sul e América Central e do Norte completam o quadro de participantes com 25%. Não está faltando algo? Sim, a Oceania! Sem grande expressão esportiva e política, este continente é apagado no mapa do futebol. Diferentes das outras confederações, nas eliminatórias não há vaga direta garantida.  O quadro de seleções se completa com a do país anfitrião da competição. 

Acreditando ter maior chances de participar da Copa, a Austrália solicitou mudança de disputa e preferiu competir, nas eliminatórias, por uma vaga junto aos países asiáticos. A estratégia deu certo, nesta edição do torneio mundial, a Austrália se classificou derrotando o Peru na repescagem.  

Por outras razões, de incompatibilidade política, Israel não disputa vaga junto aos países do Oriente Médio, mas junto aos Europeus. E a América é dividida em duas, sobretudo pelo peso competitivo, histórico e político dos países do Sul. 

No mundo do Futebol nem sempre as variáveis econômicas são determinantes. Potências geopolíticas e econômicas, China e EUA, não tem tradição esportiva na modalidade praticada pelos homens. Em comparação, o pequeno Uruguai com seus aproximadamente 3,4 milhões de habitantes (menos da metade da população do estado do Ceará), é um dos principais competidores e apresenta jogadores reconhecidos internacionalmente.

Nesse caso, as questões históricas e culturais falam mais alto. Curiosamente, nas últimas décadas, na China e, principalmente, nos EUA, cresce o interesse e a importância competitiva do futebol feminino. Nos EUA, o futebol é coisa de mulher, quebrando assim, paradigmas de gênero. 

As seleções de futebol dos países têm apelo nacionalista e patriótico. Nos países onde o esporte é mais popular não é incomum perceber nos cidadãos orgulho em relação às conquistas esportivas. Vejam, por exemplo, os casos do Brasil (pentacampeão mundial) e da Argentina (bicampeã). Os louros das conquistas tornam-se forte instrumento político-midiático e, por vezes, contribuem para minimizar outras questões nacionais, sobretudo, às problemáticas. Lembrem da marchinha brasileira dos anos 1970: “90 milhões em ação, pra frente, Brasil Do meu coração... Salve a Seleção!” 

Se as seleções mobilizam multidões de quatro em quatro anos, as equipes arrastam multidões aos estádios semanalmente. Em países da América do Sul e na Europa, quase toda cidade é sede de um time de futebol. A partir dos anos 1990, com as transmissões televisivas, as competições europeias passaram a compor programação comum de vários canais mundo afora.

Assim, equipes italianas, espanholas e inglesas têm fãs (torcedores) em vários continentes. A mundialização das informações e a transformação dos campeonatos em eventos mundiais, possibilita, por exemplo, constatar que há número gigantesco de torcedores de clubes ingleses na China, ou mesmo, no Brasil. 

A situação geográfica dos clubes influencia diretamente seu reconhecimento, a grandeza da aglomeração e a riqueza concentrada. Não à toa, no Brasil os clubes mais ricos e com maior número de títulos nacionais são paulistas e cariocas. Na segunda metade do século XX, o país passou por intenso crescimento populacional e por processo de integração nacional.

O papel das redes de TV foi decisivo na elaboração de estereótipos e homogeneizações a nível nacional. Esses veículos de massa, também sediados nas duas maiores cidades do Brasil, propiciaram a difusão dos jogos por todo o território e assim atraíram a simpatia de amantes do futebol de vários estados. Como resultado, o Clube de Regatas Flamengo tem milhões de torcedores no Nordeste e no Centro-oeste, situação semelhante à dos paulistas Corinthians, São Paulo e Palmeiras. Sim, o futebol tem forte relação com o urbano e com as hierarquias entre as cidades. 

Os meios de transporte, sobretudo o avião, e o crescimento urbano-econômico de algumas regiões e países permitiram mudança significativa na escala de concorrência e disputa. Se até 1990, os campeonatos locais (chamados estaduais) eram os mais empolgantes, hoje as disputas apreciadas são no mínimo regionais, nacionais e internacionais. 

Simultaneamente, as rivalidades entre equipes da mesma cidade não se apagam. Ao contrário, a disputa além de confronto direto, também alcança a comparação entre os desempenhos individuais nas competições com outras equipes. 

Futebol é lazer, é cultura, é um traço histórico de várias sociedades. O esporte moldado pelos ingleses, é também negócio, é urbano e rural, é profissional e é amador. Como certa vez disse o italiano Arrigo Sacchi, é a coisa mais importante dentre as menos importantes. 

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