Pobreza no passado. Pobreza no presente. Pobreza no futuro?

Legenda: O que se degradava desde 2014, com a pandemia piorou significativamente
Foto: Fabiane de Paula

Não faz muito tempo, utilizei esse espaço para manifestar minhas observações sobre a miséria urbana. Há mais ou menos um mês, escrevi um texto chamado Tristes Ruas, onde relato a presença degradante de crianças e adolescentes nas ruas de nossa cidade. De lá para cá, só percebo o aumento deles nas esquinas de nossas ruas e avenidas. Nesse caso, estamos tratando do que é mais aparente, ou seja, a ponta do iceberg.

Até mesmo nas letras de Ítalo Calvino e seu personagem Marcovaldo, pobreza é sofrimento, pobreza é humilhação. Esse é um terrível fato histórico e me parece que, no presente e nas grandes aglomerações urbanas, tornamo-nos menos sensíveis às condições de vulnerabilidade social de milhões de brasileiros.

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Falamos de solidariedade, de partilha e de doação, mas a realidade nos exibe um problema persistente, crescente e estrutural.

As denúncias às condições miseráveis estão registradas na história. O alemão Friedrich Engels assim descreveu “os bairros de má fama” das cidades inglesas da metade do século XIX:

“Habitualmente, as ruas não são planas nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais e animais, sem esgotos ou canais de escoamento, cheias de charcos estagnados e fétidos”.
Friedrich Engels

Por sua vez e para o mesmo século, a francesa Michelle Perrot narrou as grandes dificuldades que os trabalhadores parisienses encontravam para pagar seus aluguéis e manter-se nos cortiços que habitavam. Vejam! Estamos apontando os casos de Londres, Manchester e Paris do século XIX.

Em nossa realidade, décadas de olhos fechados às desigualdades sociais produziram cidades inchadas e organizadas sob a égide da aglomeração da pobreza. As capitais nordestinas, essas mais ainda. As ondas de estiagem e miséria no campo impuseram a milhões o êxodo rural. Na cidade, a produção informal da moradia e a tentativa de se incorporar à frágil economia urbana, demonstraram-se como desafios hercúleo aos novos citadinos.

As ocupações irregulares ambiental e socialmente são um dos resultados desse processo. Mencionamos os lugares sem condições urbanísticas, degradados e a impossibilitar a qualidade de vida que é direito inalienável. As políticas públicas em todos os níveis da federação são muito tímidas. Elas não foram a raiz dos problemas. E ainda há quem se surpreenda com a mortandade propiciada pela atual pandemia nas áreas desassistidas. Taí uma grave constatação, para o Brasil tudo parece ser novidade.

De acordo com tese de doutorado do geógrafo João Sérgio Lima, teríamos mais de 960 mil fortalezenses vivendo em algum tipo de assentamento precário. Na Capital, aproximadamente 640 mil fortalezenses encontram nas favelas a única opção de moradia.

As crises econômica e sanitária reservam o pior a esses cidadãos. Deparam-se muito mais com a desesperança urbana do que com um horizonte de mobilidade social.

O que se degradava desde 2014, com a pandemia piorou significativamente. O quadro de fome e desemprego regrediu para as condições do final dos anos 1990. Para os assalariados, o poder de compra do mínimo vem descendo ladeira a baixo. Até mesmo a expectativa de vida, segundo os especialistas, pode diminuir até dois anos. Com a suposta crise do orçamento público, menos recursos sobrarão para suplantar as precariedades historicamente acumuladas.

Muitos nos alertaram, contudo, pouco avançamos. Fico a pensar: é nosso projeto de sociedade tornar nossas cidades um entulhado de pobres e miseráveis, condenados a reproduzir-se amontoados, imobilizados e abandonados à própria sorte?

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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