Há problemas no processo participativo de revisão do plano diretor de Fortaleza?

O objetivo maior do documento é conciliar interesses dos mais diferentes agentes da sociedade, seja do mercado imobiliário, seja da população mais vulnerável

Legenda: O Plano Diretor, instituído pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001), é um instrumento a ser revisado de 10 em 10 anos, que norteia o planejamento urbano
Foto: Fabiane de Paula

Este texto foi produzido em parceria com a geógrafa Maria Clelia Lustosa Costa e a arquiteta Francisca Bruna Santiago, ambas integrantes do Lapur e do Observatório das Metrópoles.

O Plano Diretor, instituído pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001), é um instrumento a ser revisado de 10 em 10 anos, que norteia o planejamento urbano. Seu objetivo maior é conciliar interesses dos mais diferentes agentes da sociedade, seja do mercado imobiliário, seja da população mais vulnerável. Por isso, a participação popular em sua construção é fundamental para garantir a contemplação dos interesses de diversos segmentos, sobremaneira, primando pela redução das injustiças sociais.

Lamentavelmente, as instruções básicas da Política Urbana regida pelo Estatuto da Cidade não são observadas. Assim, empecilhos para a efetivação necessária da participação popular são detectados. 

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Ao longo de 2023, representantes do Laboratório de Planejamento Urbano e Regional (LAPUR-UFC) se uniram ao Campo Popular de revisão do Plano Diretor de Fortaleza, movimento organizado e ativo, composto por ativistas, pesquisadores e representantes de movimentos sociais de diversos territórios da cidade. Com o intuito de defender a ampla e democrática participação popular, o grupo acompanhou o processo de revisão do Plano e aponta prejuízos irreversíveis durante as etapas do processo.

Inicialmente, com a presença da população, foram estabelecidas 3 etapas:

  • 1. Apresentação de uma contextualização sobre o Plano e suas funções;
  • 2. Diagnóstico dos problemas atuais da cidade;
  • 3. Recolhimento de propostas de diretrizes norteadoras, divididas entre os mais diversos temas (Meio Ambiente, Cultura e Patrimônio, Desenvolvimento Urbano, Social e Econômico Sustentável, dentre outras).

De acordo com a metodologia adotada, ao final, as propostas serão votadas por delegados eleitos pela população na Conferência das Cidades, da qual sairá a base para a Minuta de Lei, a ser encaminhada à Câmara Municipal.

Em março de 2023, esta coluna já trouxe especulações sobre os perigos da metodologia de participação proposta. Transcorridos oito meses, algumas daquelas previsões se concretizaram.

Legenda: De acordo com a metodologia adotada, ao final, as propostas serão votadas por delegados eleitos pela população na Conferência das Cidades, da qual sairá a base para a Minuta de Lei, a ser encaminhada à Câmara Municipal
Foto: Camila Lima

Listamos cinco fragilidades verificadas pela equipe e passíveis de serem compreendidas como descaso da Prefeitura de Fortaleza frente os cidadãos diretamente envolvidos nas etapas de atualização do Plano Diretor:

  • 1. Pela avaliação inicial, a divulgação dos eventos tem sido insatisfatória, descumprindo as Resoluções n° 25/2005 e 83/2009 do Conselho Nacional das Cidades, que tratam da necessidade de ampla publicidade destes momentos participativos, através de diversos meios de comunicação. Momento emblemático dessa situação aconteceu em um dos Fóruns Temáticos, realizado em 1º de agosto. Na oportunidade, ao verificar a origem dos participantes daquela reunião por manifestação individual, contabilizou-se maioria esmagadora de funcionários do poder público, fato a desequilibrar a indispensável diversidade na participação, em termos de diferentes seguimentos sociais, em especial da sociedade civil. 
  • 2. No momento de inscrição dos delegados, a burocracia e o indeferimento indevido de candidaturas desestimularam a proposição de vários representantes de movimentos sociais. Como resultado, vagas não foram preenchidas e com isso demandas de setores populares podem ficar descobertas; 
  • 3. O calendário de eleição dos delegados não foi cumprido e a realização da Conferência das Cidades ainda não aconteceu. A conferência, anteriormente agendada para os dias 2 e 3 de dezembro, foi adiada, sem indicação de nova data, até o momento de escrita desta coluna. Tal fato impossibilita aos candidatos e delegado que se planejem para participar do evento, caso eleitos; 
  • 4. Na última etapa de sistematização das informações sugeridas pela população para o Plano, foram criados momentos extras de discussão, porém o relatório escrito, produto do processo, não foi disponibilizado com antecedência para apreciação cuidadosa, fato a impedir a checagem detalhada entre o discutido e o registrado em papel; 
  • 5. Em novembro, de acordo com o relatado, as reuniões “participativas” apresentaram mudança na metodologia, o que gerou menos tempo de fala às pessoas interessados em levantar críticas, questionamentos e/ou sugestões. 

É urgente que a atual gestão municipal se pronuncie e se explique frente às fragilidades do processo de revisão do Plano Diretor listadas. Enquanto aos cidadãos preocupados com o presente e futuro da nossa cidade, será um banho de água fria constatar que a participação, conquista democrática por excelência, tornou-se letra morta esmagada pela burocracia e pelos interesses específicos revestidos de neutralidade tecnocrática.