Cuide da cidade como o jardineiro fiel

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Nos arredores da minha residência há uma pequena avenida e nela um estreito canteiro central preenchido por árvores e flores. Esse pequeno trecho de verde, exprimido pelo asfalto, me impressiona. É ritual: todas as manhãs, para aquele lugar, meu olhar sempre mira; é capturado naturalmente.

Mas o que explicaria a existência desse pequeno jardim em lugar pouco provável? Vivendo numa cidade onde é mais comum encontrarmos amontoados de lixo nos canteiros e calçadas, por que naquele lugar o colorido florístico predomina?

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Faz pouco, a danada da curiosidade foi saciada. Num desses dias banais, depois de caminhada junto à minha filha, avistei um homem agachado, à margem do verde canteiro. Ele trabalhava, removia as ervas parasitas e preparava os pequenos palmos de solo. De pronto, decidi me aproximar, cumprimentá-lo e começar o “interrogatório”.

Ele muito simpaticamente me atendeu. Conversamos por uns vinte minutos e tudo me explicou. O senhor, que a partir de agora chamarei de jardineiro fiel, também morava ao lado e, cansado de encarar o canteiro como depósito de lixo, há mais ou menos 15 anos, resolveu fazer o diferente. Sozinho, muda por muda, ele preenche, não só de plantas, mas de afetividade aquele retilíneo espaço entre pistas.

O jardineiro fiel nunca buscou qualquer programa de adoção promovido pela prefeitura. Não recebe nada em troca, ao contrário, utiliza de seus próprios recursos e tempo para continuar sua missão. Há quem esporadicamente ajude, contudo há os que o atrapalhem.

Certa vez, ao tentar expandir o trecho verde, o nosso bom jardineiro foi advertido por outra moradora das intermediações. Ela o dissera que as plantas impediam a vista entre as calçadas. A senhora, talvez, imaginou as plantas como esconderijo de malfeitores. Diferente de mim e do jardineiro fiel, ela percebeu o jardim como uma ameaça. Na cidade, nem as árvores e flores são unanimidade.

Mas o leitor pode se contrapor: essa ação não muda a vida de ninguém e a cidade tem problemas muito mais graves. Sim, tendo a concordar que as cidades acumulam sérios problemas. No entanto, não é o cultivo do jardim o mais importante. O que aflora é um ideal, um comportamento baseado no cuidado.

Seguramente, as cidades necessitam de mais pessoas com o espírito do jardineiro fiel. O cultivador de beleza dá a todos os cidadãos, e a municipalidade, um bom exemplo de educação patrimonial e afeição aos espaços públicos. Ele não cultiva somente flores, mas ideais.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.