Pesquisas recentes confirmaram o que muitos já desconfiavam. O período pandêmico foi desastroso para a educação brasileira. Na semana passada, os dados do último Censo Escolar e das avaliações com alunos do ensino médio demonstraram que esses apresentaram severas deficiências em matemática e língua portuguesa, arcabouço constituído geralmente nas últimas séries do ensino fundamental.
O quadro educacional ainda é mais complexo se considerarmos, conforme a PNAD em 2019, aproximadamente 11 milhões de brasileiros analfabetos e outros 60 milhões analfabetos funcionais. Para piorar a expectativa de futuro, estima-se que 11 milhões de jovens entre 15 e 29 nem estudam e nem trabalham.
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Nos deparamos com um grave problema nacional e acentuado pelo impacto da Covid-19. A situação tende a piorar caso não sejam implementadas políticas públicas incisivas, cuidadosamente planejadas e com a articulação entre União, Estados e Municípios. Neste sentido, não vejo outra saída a não ser transformar a escola em prioridade nacional.
Tomemos como exemplo as escolas públicas, maioria nos bairros populares de nossas cidades, sejam elas pequenas, médias ou grandes. Elas deveriam representar o espaço mais importante destas comunidades urbanas (e rurais, também!), pois como defende o sociólogo Ruben Kaztman, a escola é uma das mais estratégicas estruturas de oportunidade que uma sociedade pode oferecer aos vulneráveis. Segundo o ele, há um efeito recíproco entre as condições educacionais de uma área urbana e sua composição social e econômica. Para melhor dizer, o acesso a escolas melhores qualifica positivamente o tecido social urbano.
Na verdade, o fortalecimento das ações educacionais passa pela organização de uma comunidade escolar, o que vai além do envolvimento dos professores, gestores e alunos.
É na conjunção entre escola e comunidade que se encontra a potência para transformação da vida nas periferias urbanas, especialmente, onde predominam as famílias chefiadas por analfabetos e subempregados.
Ensino integral, recursos tecnológicos, recursos financeiros, professores bem formados e bem pagos são condições e medidas urgentes. Contudo, é preciso ir mais adiante. A escola não funciona sozinha, ela não é uma tenda dos milagres, por isso, é prudente estar integrada aos outros serviços indispensáveis. O espaço escolar é uma espécie de ponte socioespacial capaz de aproximar a comunidade às suas outras demandas, por exemplo, de esporte, de saúde coletiva e de cultura.
Apesar de muitas críticas infundadas e até propostas de ensino domiciliar, não vejo outra invenção mais formidável da modernidade do que a escola. Os melhores anos das nossa vidas, passamos no ambiente escolar. Eles são decisivos na construção das sociabilidades e tolerâncias em sociedade.
Para falar a verdade, defendo que nos próximos planos urbanos ou no planejamento de zonas de expansão das cidades, a escola venha a ser a centralidade social e urbanística dos bairros e das comunidades. A partir dela tudo se organizaria: espaços públicos, centros culturais e esportivos.
No nosso país tudo está muito difícil, mas continuo fielmente acreditando que a escola é o lugar, por excelência, da utopia, de aprender a aprender. Sem sombra de dúvida, é a partir dela que serão construídas novas cidades, novas cidadanias e um novo país. Esta é minha utopia socioespacial!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.