Cabos submarinos, usina dessalinizadora e a condição litorânea-marítima de Fortaleza

Ao longo do século XX, a capital cearense foi se aproximando cada vez mais do mar, ora pelos usos portuários, ora pelos usos associados ao lazer e ao turismo litorâneo

A cidade de Fortaleza é, simultaneamente, litorânea e marítima. A primeira condição é evidente e se explica pela situação geográfica do sítio urbano da cidade. Basta olhar no mapa e perceber a sua localização na borda da zona costeira. Por outro lado, a segunda condição não é verificada somente pela localização. O que vai decretá-la é a forma como a sociedade local se relaciona com o mar e como esta organiza os usos marítimos.

Ao longo do século XX, Fortaleza foi se aproximando cada vez mais do mar, ora pelos usos portuários, ora pelos usos associados ao lazer e ao turismo litorâneo. Atualmente, por vários motivos, é impossível pensar uma definição para Fortaleza e esquecer da sua proximidade com o mar.

Dessa aproximação, surgem novos usos e destes, por vezes, conflitos de interesses. Não seria isso que vem acontecendo com o caso dos cabos de fibra óptica e a futura instalação da usina de dessalinização da água do mar?

Não faz muito tempo, propagou-se aos quatro ventos, que, em virtude da especial posição de Fortaleza frente ao mundo, sua localização estratégica permitiria a chegada de cabos submarinos de fibra óptica, responsáveis pela transmissão de um tsunami de dados. Criou-se inclusive um termo: o HUB de dados. Destacou-se a possibilidade de transformar a capital em zona especial de localização de centros de processamento e distribuição de dados (DataCenters). Uma verdadeira revolução para as funções urbanas e econômicas da cidade, posto produzir vantagem associada à moderna era das redes e da informação.

Ironicamente, a “novidade” é que somos uma cidade litorânea inserida numa região semiárida. Há séculos vivemos com a perspectiva plausível dos períodos de escassez de água potável. Já construímos barragens gigantes, conjunto de canais e desenvolvemos um sistema de gestão dos recursos hídricos, pois sem eles, Fortaleza metrópole não seria viável. Todavia, em algumas situações, isso tudo não é suficiente. Daí vem, como possibilidade, outra vez a condição marítima, agora como fonte de recursos, ou seja, a extração e tratamento de água marinha, processo utilizado em grande escala em países situados em regiões desérticas do planeta.

Tecnicamente, a construção da usina foi aprovada, apesar de outros apontarem suposto perigo de dano aos cabos submarinos que chegam à Praia do Futuro, mesma localização da dessalinizadora.

Não tenho expertise técnica para dizer se haverá ou não problema na coexistência dessas duas formas diferentes da cidade se aproveitar da sua condição litorânea-marítima. As instituições públicas de licenciamento dizem que não. Para mim, o mais curioso é perceber, no tempo, como as localizações urbanas são recondicionadas, haja vista, os avanços técnico-científicos, os interesses econômicos, mas também, os problemas que persistem na nossa cidade.

Para não dizer que não falei mais de água, outro aspecto a me impressionar é o fato das legislações urbanas de Fortaleza não exigirem, com mais rigor, a necessidade de que novos projetos imobiliários, comerciais e residenciais, utilizem mecanismos modernos e eficientes de captação e utilização das águas durante o período chuvoso. Também é inacreditável não termos ainda a total consciência de que não podemos desperdiçar uma gota sequer de água limpa.

Vamos acompanhar o processo de instalação da dessalinizadora e ver onde a história vai parar. Inclusive, é bom ficar atento no quanto a solução escolhida vai reverberar no custo de tratamento do recursos hídrico. É prudente aprender a economizar água.