'Fake News' de si

Não é possível habitar e ficar confortável com quem se é, se o olhar do outro mira uma mentira

Legenda: As "Fake News" de si tornam-se engodos em busca de vender uma imagem que não corresponde à realidade e que aprisiona quem a constrói em vazio e solidão
Foto: Pexels

Tomar posse de si é um processo complexo e atravessado por diversos fatores: contexto cultural, sociedade, dinâmica familiar, experiências de vida, de cuidado, empatia, vínculo; interação social, qualidade da rede de apoio e proteção, políticas públicas de assistência, educação, saúde; desejos, construção subjetiva da relação com o corpo, história, desenvolvimento das funções psicológicas, e relação com o ambiente.

Construir a própria verdade, se apossar dela não é tarefa fácil. A fantasia é necessária e muito cara para o psiquismo humano. Continuamente transitamos entre o sonho e a realidade e isso é protetivo e importante para a saúde.

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Brincamos com a realidade, fazemos pequenas distorções do árido da vida, tentamos aliviar o peso dos dias difíceis, criamos e produzimos realidades alternativas. A capacidade criativa é uma das dimensões humanas mais valiosas quando ajustada à verdade de quem somos.

Quando a deturpação da realidade é feita de forma intencional ou decorrente de uma impossibilidade adoecida de perceber o contexto, enveredamos por caminhos que podem indicar profundo adoecimento.

Continuamente, o olhar sobre nós é atravessado por desejos alheios, que muitas vezes nos confundem e podem se misturar acarretando dificuldades em percebermos o que é nosso ou o que estamos exigindo de nós para atendermos a essas expectativas do outro, que admiramos, amamos ou que desejamos reconhecimento ou validação.

Em um contexto social de exposição, de redes sociais, de sujeitos levados à categoria de objeto de consumo e em busca de visibilidade, as armadilhas para enveredar por construir uma visão enganosa de si, tornam-se muito frequentes.

As "Fake News" de si tornam-se engodos em busca de vender uma imagem que não corresponde à realidade e que aprisiona quem a constrói em vazio e solidão. Na busca de um reconhecimento a partir de uma imagem de corpo, de ideias, de trabalho, de vida, de classe, de raça, de gênero, de relações que não são compatíveis com a verdade do sujeito, os "likes" recebidos, embora momentaneamente empolgantes, tornam-se empobrecidos porque não irão alimentar uma imagem de si confortável, e que contribuiu para um bem-estar consigo, posto que não é verdadeira. E não é possível habitar e ficar confortável com quem se é, se o olhar do outro mira uma mentira.

Os milhares de desconhecidos e seus afetos direcionam-se, muitas vezes, para imagens que não encontram sustentação existencial. Protegidos do risco dos encontros presenciais, dos afetos e trocas, da exposição das falhas, das inseguranças e complexidade da vida sem filtro, o mundo virtual pode oferecer uma armadilha sedutora de alegrias e prazeres que distancia o sujeito do encontro com sua própria experiência, seus afetos e sua narrativa.

Capturados em vender imagens de sucesso, de perfeição, em alimentar as vorazes indústrias de consumo de ilusões e de subjetividades 'dessubjetivadas', muitas vezes, não se percebe que se está perdendo a beleza de ser para virar um algoritmo. E a pseudoproteção, controle e segurança podem ser um triste brinquedo sem ter de verdade, amigos que lhe amem e lhe conheçam, com quem se possa brincar e ser amado de verdade.

 

 

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