O retorno dos bravos brasileiros
O decreto do atual presidente dos Estados Unidos, que visa expulsar imigrantes que ainda não regularizaram sua situação, revela uma grande contradição: o governo que acusa os imigrantes de invadir territórios alheios é o mesmo que ameaça tomar o Canal do Panamá, anexar o Canadá e se apropriar do território da Palestina
Os brasileiros, sempre em busca de oportunidades para melhorar as suas condições de vidas, ultrapassaram diversas fronteiras: geográficas, linguísticas e culturais, e agora estão retornando à sua terra natal. Não de forma gloriosa, mas sim de maneira humilhante. Qual foi o crime cometido por eles? Ter ousado ultrapassar fronteiras em prol de um futuro melhor?
Os Estados Unidos, por exemplo, foram fundados por imigrantes de diversos países europeus, sem contar as guerras internas que pilharam as terras dos povos originários da América do Norte. A família Trump possui raízes europeias, principalmente na Alemanha e na Escócia. Friedrich Trump, avô de Donald Trump, emigrou da Alemanha para os Estados Unidos no final do século XIX, e sua mãe, Mary Anne MacLeod Trump, nasceu na Escócia e chegou aos EUA na década de 1930.
A maioria dos países é composta por imigrantes, fugindo de guerras ou em busca de novas oportunidades. Isso nunca foi considerado crime. O decreto do atual presidente dos Estados Unidos, que visa expulsar imigrantes que ainda não regularizaram sua situação, revela uma grande contradição: o governo que acusa os imigrantes de invadir territórios alheios é o mesmo que ameaça tomar o Canal do Panamá, anexar o Canadá e se apropriar do território da Palestina.
Por que só ele tem esse direito? Por que exigir do migrante vulnerável aquilo que os poderosos não respeitam, como as leis de convivência pacífica entre povos e nações? Apesar da legalidade, a forma como brasileiros e latino-americanos são expatriados é uma violação das leis universais. Já conhecemos a velha máxima da educação: “Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço”.
O que essa atitude ao nível mundial reflete do nosso cotidiano? Como você tem reagido a esse panorama global? Que sentimentos tem experimentado? Revolta? Indignação? Ou indiferença? O processo educativo é mimético, ou seja, se imita o que se observa e se vive. As palavras edificam, mas o comportamento destrói. Quando alguém diz que você não deve entrar em um país sem a permissão de seus governantes e esse mesmo governante ameaça invadir territórios alheios, não seria um contrassenso? Por que uns podem e outros não?
Esses comportamentos contraditórios podem criar um ambiente hostil e trazer várias consequências para as conquistas civilizatórias em várias regiões do mundo. Quando um pai exige que o filho respeite a mãe, mas é o primeiro a desrespeitá-la e tratá-la com violência, como fica a cabeça desta criança? Quando as facções e milicias se apropriam de territórios e delimitam fronteiras e usam força e crueldade para proteger seus interesses comerciais, impedindo a livre circulação de pessoas e matando a quem não obedece, não é um ato de crueldade ainda mais grave que ser expulso de um país estrangeiro?
Assistir ao que acontece na nossa rua, em nosso bairro e em outros lugares desse imenso país é uma oportunidade para ampliar a nossa consciência e compreender que estamos diante de uma nova pandemia de intolerância e exclusão dos mais vulneráveis tanto ao nível local como global. O que aprendemos com esses desmandos e desrespeitos às regras da boa vizinhança e da convivência pacífica? É um momento de reflexão.
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As ações indignas que testemunhamos não devem nos desencorajar; pelo contrário, devem nos inspirar a agir dignamente. A indignação gerada por ações que violam valores universais nos convoca a reavivá-los e disseminar valores que promovam dignas ações. É possível aprender através da dor ou do amor, mas parece que a dor tem sido a forma mais frequente de aprendizado.
O sofrimento deixa cicatrizes indeléveis e nos faz lembrar das atrocidades praticadas em um passado recente, que não podem acontecer de novo. Precisamos desenvolver ações que promovam valores, celebrem a vida e garantam as conquistas. A memória do Holocausto do povo judeu foi celebrada recentemente em todo o mundo. É fundamental relembrar as atrocidades cometidas por indivíduos e nações.
A memória do Holocausto é um importante recurso didático, auxiliando as gerações atuais e futuras a compreenderem as consequências do ódio, do preconceito, da xenofobia, do antissemitismo e outras formas de discriminação e da intolerância à diversidade. Precisamos incentivar a reflexão crítica sobre a história, para prevenir a repetição de atrocidades semelhantes.
A consciência sobre os perigos do extremismo e do fanatismo é fundamental. Recordar o Holocausto é uma forma de homenagear os milhões de vítimas e reconhecer o sofrimento que passaram. Isso ajuda a preservar a dignidade das vítimas e a manter vivas suas histórias. Quando esquecemos, repetimos. É hora de rever os valores da nossa civilização cristã. Sem amor e solidariedade, não teremos um futuro promissor. Devemos aproveitar esta oportunidade para aprender com os desrespeitos flagrantes dos poderosos que agem como se fossem os donos do mundo e de vidas.
O ser humano não pode ser tratado como mercadoria, como entulho, coisa descartável. Vamos acolher com carinho e dignidade esses brasileiros corajosos que ousaram ultrapassar fronteiras em busca de um futuro promissor para suas famílias. Eles não foram pilhar ou roubar, mas sim buscar oportunidades que faltam em seu país. Neste cenário confuso, no qual os valores e referências universais são negligenciados por aqueles que deveriam respeitá-los, é imprescindível refletir sobre as políticas que promovem a inclusão e distinguir daquelas que provocam a exclusão.
Infelizmente, há pessoas e partidos políticos que concordam com a visão de se apoderar de territórios coletivos, construir muros que separam pessoas e países, das riquezas materiais e exterminar os pobres, em vez de promover a inclusão de todos. Mas existem partidos políticos com propostas positivas de promoção da vida. Esta é uma oportunidade para separar o joio do trigo, distinguir os lobos vorazes dos que se vestem de pele de ovelha.
É importante ter cautela com as mentiras que tentam nos confundir, impedindo que pensemos, reflitamos e tomemos decisões em prol do bem, da inclusão e do desenvolvimento sustentável. Nossa cidade, Fortaleza, foi escolhida pelo governo federal para ser uma pausa à forma degradante como nossos cidadãos corajosos são expatriados dos Estados Unidos, sendo tratados como criminosos perigosos com algemas e pés acorrentados em voos sem ventilação e sem uma alimentação adequada.
É hora de refletirmos sobre o nosso comportamento, o que não é muito diferente do que está sendo observado em escala global. Será que nossas palavras e atitudes estão exaltando aquilo que devemos criticar e corrigir? Não podemos nos deixar levar pelo canto da sereia que quer nos afogar no oceano da desinformação, mentiras e ilusões em que determinados partidos políticos buscam nos manipular.
Estamos vivendo tempos que geram desesperança, insegurança e medo. Enquanto o medo deixa algumas pessoas paralisadas, outras despertam a coragem para enfrentar desafios. Somos um povo que já enfrentou a invasão dos colonizadores portugueses, a escravidão dos povos originários da áfrica e uma ditadura militar que ceifou vidas, obrigando muitos brasileiros a deixarem sua pátria. Já vivemos e experimentamos o exílio involuntário. Este é o momento de reavivar a memória das lutas vividas e superadas.
Os quilombos foram espaços de resistência de homens negros que não aceitaram a escravização. Mesmo acorrentados, o sonho de liberdade só aumentava. Precisamos nos conectar com nossos heróis que lutaram para conquistar a liberdade que temos hoje. Essa liberdade é fruto de luta, determinação e conquista, e não de um decreto da Realeza Portuguesa. Toda tentativa de dominar os outros, seja por correntes de ferro ou ideologias que limitam nossa capacidade de pensar, refletir e nos deslocar em liberdade, não se sustenta.
Podemos despertar o nosso senso crítico, refletir e aprender as lições que ainda nos faltam aprender. Que usemos a dor e o sofrimento como uma escola onde aprenderemos a valorizar a vida e a amar. Como disse Santo Agostinho, “ou se aprende com o amor ou com a dor”. Aqui no Brasil, o brasileiro é nosso maior patrimônio. É nossa maior riqueza. Precisamos reconhecer a coragem de nosso presidente Lula, que soube dar um basta à forma degradante com que nossos cidadãos estão sendo tratados. Foi um gesto digno de um brasileiro que se opôs a um gesto indigno de outro líder americano que exige dos mais vulneráveis o que não cumpre como estadista de uma grande nação. Aqui, no Brasil, é diferente.
Bem-vindos, compatriotas, que voltaram à sua terra natal. Este é o lugar de vocês. Vamos trabalhar juntos para que nosso país seja uma nação que acolha todos os brasileiros e imigrantes de diferentes nacionalidades em busca de melhorar de vida e ajudar a sermos uma nação digna e humana. A inclusão e a solidariedade são importantes para uma sociedade justa e igualitária. É hora de unir, acolher e construir um futuro onde todos de todas as nacionalidades possam crescer juntos.
Que possamos construir uma sociedade que valorize cada indivíduo e reconheça a relevância de suas histórias, lutas e sonhos. O futuro do Brasil depende de nossa capacidade de agir de forma ética e respeitosa, acolhendo aqueles que buscam um lugar ao sol e assegurando a igualdade de oportunidades para todos.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.