Os extremos que nos dividem
A natureza humana apresenta uma ambiguidade: consegue criar, transformar e destruir

Vivemos em tempos de extremos. No que diz respeito ao meio ambiente, enfrentamos incêndios devastadores e secas severas que secam os rios, chuvas torrenciais destruidoras de vidas, além de temperaturas elevadas e baixas em todos os continentes. No campo político, observamos o crescimento de grupos de extrema-direita, que retrocedem nas conquistas sociais, e de extremas esquerdas, que interrompem a transição de poder por meio de ditaduras, ameaçando o equilíbrio democrático.
Religiões que deveriam pregar o amor e a compaixão são, frequentemente, distorcidas por grupos que propagam ódio, descriminação e violência em nome de Deus. No campo psicológico, a sociedade enfrenta crises de ansiedade, depressão, suicídios e aumento da síndrome do espectro autista. O planeta está em um estado de desequilíbrio biopsíquico-socioambiental.
Qual é o vírus, a bactéria que está adoecendo nosso planeta e ceifando vidas? Lamentavelmente, não se trata de um microorganismo patogênico, mas sim do “bicho homem”, do ser humano em si.
A natureza humana apresenta uma ambiguidade: consegue criar, transformar e destruir. As guerras destroem vidas, cidades e a natureza, gerando sofrimento para aqueles que sobrevivem, provocam migrações forçadas de milhões de pessoas. Apesar dos milhares de anos de evolução, ainda não aprendemos a equilibrar forças contraditórias: a pulsão de vida e a de morte.
Alternamos entre anjos e demônios, sem compreender a natureza humana, que se nutre desta dialética interna entre estas forças contrárias. Falta-nos um senso de coletividade e pertencimento à humanidade, e não percebemos que as guerras, a destruição da natureza, a concentração de riquezas e a produção de miséria alimentam um ciclo de destruição que compromete o futuro de nossos descendentes.
Ao longo da história, encontramos pessoas que simbolizam o amor e a justiça, como Cristo, Mahatma Gandhi, Buda, Martin Luther King e Nelson Mandela, ao contrário de ditadores tiranos como Adolf Hitler, líder do regime nazista, que causou a morte de milhares de pessoas durante o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial. Stalin-Governou a União Soviética com mão de ferro, implementando purgas políticas que resultaram na morte de milhões.
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Pol Pot-Líder do Khmer Vermelho no Cambodja, responsável pelo genocídio que levou à morte de cerca de 1,7 milhão de pessoas. Kim Il-sung-, fundador da Coreia do Norte, estabeleceu um regime totalitário caracterizado pela repressão extrema. Todos ceifaram vidas em nome de ideologias limitantes de “verdades inquestionáveis”. Assim como há centros de pesquisa que se dedicam à criação de armas cada vez mais perigosas, também existem laboratórios de guerra que cultivam o ódio entre as pessoas e entre as nações.
A cada dia, novas fake news surgem, confundindo e gerando conflitos. A quem interessa essa confusão? O que temem as pessoas e as instituições que disseminam mentiras? Seria o medo de perder poder e privilégios? O medo de que a verdade sobreviva, iluminando as sombras da desinformação? Enquanto alguns lutam por territórios e poder, outros buscam dominar mentes alienadas da realidade.
As notícias falsas são uma arma poderosa de uma nova guerra que desumaniza e manipula um exército de desinformados. As notícias falsas têm se tornado uma ferramenta poderosa e preocupante na manipulação da opinião pública e na desinformação. Seus efeitos negativos podem ser analisados sob diversas perspectivas. Elas criam um ambiente de confusão, onde as informações verdadeiras e falsas se misturam. Isso dificulta a capacidade das pessoas de distinguir o que é verdadeiro, levando a decisões baseadas em informações erradas.
Manipulação
A divulgação de notícias falsas, muitas vezes, explora as diferenças existentes na sociedade, causando conflitos e dividindo opiniões. Isso pode resultar em um aumento significativo da hostilidade entre grupos sociais, políticos ou étnicos. A manipulação da opinião pública pode ser usada por partidos e grupos de interesse sobre temas relevantes, como eleições, políticas públicas e crises sociais.
Isto pode ter um impacto significativo nos resultados eleitorais e nas políticas governamentais. A proliferação de notícias falsas ameaça a democracia, pois os cidadãos podem votar ou apoiar políticas com base em informações falsas. O aumento de notícias falsas pode causar desconfiança em instituições tradicionais, como a mídia, a justiça, o governo e a ciência. Isso pode resultar na rejeição de informações baseadas em evidências, dificultando o combate a problemas sociais e de saúde pública.
A exposição constante às notícias falsas pode causar ansiedade e estresse, afetando a saúde mental das pessoas. Além disso, a manipulação emocional é uma técnica comum em campanhas de informação, visando causar reações impulsivas e irracionais. Em um contexto mais amplo, fake news podem ser usadas em guerras híbridas, onde a desinformação é uma forma de desestabilizar nações, influenciar eleições e causar controvérsia.
A luta contra as fake news requer educação midiática, verificação de fatos e responsabilidade das plataformas digitais na moderação de conteúdo. Esse desequilíbrio externo afeta o nosso equilíbrio interno, minando os laços de solidariedade e empatia, tão essenciais em nossas vidas. O medo, a insegurança invade nosso cotidiano. Como manter o equilíbrio em meio a tantas contradições?
Enquanto o aspecto social pode nos desestabilizar, a cultura oferece um norte. Sem cultura, a identidade se perde. Cada cultura possui valores e referências que são considerados verdadeiros, mas esses valores estão sendo questionados. Há uma única verdade ou múltiplas verdades? Será que não são verdades, mas interpretações diferentes da realidade?
A questão da existência de uma única verdade ou múltiplas verdades é complexa e discutida em várias áreas do conhecimento, como filosofia, sociologia e psicologia. Algumas correntes filosóficas, como o realismo, sustentam haver uma verdade objetiva que é independente das percepções humanas. Por outro lado, correntes como o relativismo defendem que a verdade é subjetiva e varia conforme a perspectiva de cada pessoa ou cultura. Dessa forma, diferentes visões da realidade convivem e são igualmente válidas em seus contextos.
Há também a hipótese de que não existam verdades absolutas, mas sim interpretações baseadas em experiências pessoais, contextos culturais e sociais. Um ponto de vista é apenas a visão de um ponto. O que fazer diante das diversas perspectivas? Seriam discordantes ou complementares? Estamos vivendo uma transição de um modelo de verdade única para um modelo de verdades parciais, plurais e complementares? Essa aparente confusão poderia ser uma oportunidade para ampliarmos nossa visão e construirmos um modelo plural e inclusivo?
Evolução consciente
Essa mudança exigirá flexibilidade, tolerância e abertura de espírito. Toda certeza pode se tornar uma prisão. A virtude está no meio, nunca nos extremos. Os extremismos têm desestabilizado, mas também nos impulsionado em busca de um novo equilíbrio, onde possamos conviver com nossas diferenças de cores, ideias e sentimentos.
Seriam os extremismos que vivenciamos uma vibração em busca de uma nova sintonia, um novo eixo? Um espaço plural e inclusivo? Ao passo que as ideologias nos separam, as emoções humanas são universais e nos unem. Todos experimentam o medo e a incerteza. Durante a pandemia de COVID-19, ao realizarmos rodas de TCI online em 15 países, constatamos que o medo de contaminação e a dor de não poder realizar rituais de luto eram comuns, desde as favelas do Brasil até Paris, Genebra, Nova York, Roma, Bruxelas e Amsterdã.
Segundo o filósofo e teólogo francês Pierre Teilhard de Chardin, a evolução não é apenas um processo biológico, mas também uma evolução espiritual e consciente. Ele acreditava que a complexidade da vida leva a uma elevação da consciência. Para Teilhard, a evolução culmina na emergência da consciência humana, manifestando um nível superior de complexidade.
À medida que as formas de vida se tornam mais complexas, especialmente com o desenvolvimento do sistema nervoso, ocorre uma transformação qualitativa, resultando na consciência. Ele via esse processo como parte de um processo maior, no qual a evolução não se limitava apenas à luta pela sobrevivência ou às conquistas territoriais, mas também à busca por uma maior união e consciência, o que ele chamou de “Ponto Ômega”, um estado de união e plenitude.
Sua visão integra ciência e espiritualidade, sugerindo que a quantificação da evolução, por meio do aumento da complexidade, gera uma nova qualidade na experiência da vida: a consciência. Assim, a esperança de que os eventos adversos que a humanidade enfrenta possam prenunciar uma nova ordem mundial, tanto social quanto global, se torna uma realidade. Precisamos aprender com essas experiências, buscando um equilíbrio que respeite as diferenças e promova a empatia.
O caminho para uma sociedade mais justa e harmoniosa requer que aceitemos a diversidade de ideias e sentimentos, reconhecendo que todos somos parte de um mesmo tecido humano. A verdadeira mudança começa dentro de cada um de nós, na capacidade de ouvir os outros, de cultivar a solidariedade e de buscar soluções que unam, em vez de dividir. É hora de deixar de lado os extremismos que nos separam e trabalhar em conjunto pela construção de um futuro mais equilibrado e sustentável. Somente dessa forma, poderemos superar os desafios presentes e caminhar para um futuro onde a paz e a compreensão sejam o foco principal.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.