Como anda a saúde mental?

Ao refletirmos sobre nossa saúde mental e bem-estar, é imprescindível que nos lembremos de que somos parte de um todo. Somos parte do problema e parte da solução

Escrito por
Adalberto Barreto ceara@svm.com.br
Legenda: Somente através da educação, do diálogo e da promoção de um ambiente no qual as diferenças sejam respeitadas e celebradas poderemos iniciar o caminho para um futuro mais justo e sustentável
Foto: Kevin Turcios/Unsplash

A saúde mental da sociedade contemporânea enfrenta desafios profundos e complexos. A evolução das sociedades, embora traga muitos avanços, também favorece o isolamento, a intolerância, o sectarismo, o estresse e o medo. Esses elementos são agravados pela avidez de lucros de um modelo econômico neoliberal predatório.

Esta realidade causa uma profunda frustração e uma crescente descrença nas instituições e nos seus representantes, ao mesmo tempo em que desperta um ódio fratricida sem precedentes. O resultado é uma deterioração das relações familiares, sociais e até mesmo com o planeta.

A humanidade está adoecida: famílias desintegradas, amizades rompidas e agressões que ocorrem de maneira gratuita. As famílias brasileiras, em particular, estão operando no seu limite de tolerância e necessitam urgentemente de ações coletivas de cuidado e apoio.

A saúde mental da população está gravemente afetada, pois a capacidade de conviver consigo mesmo, com os outros e com as diferenças, assim como com a natureza, na busca por pertencimento, felicidade e sentido na vida, tem sido severamente prejudicada por um ambiente de intrigas, mentiras, notícias falsas, distorções da realidade e polarizações que destroem laços afetivos e sanguíneos.

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Esses fatores afetam significativamente os recursos socioculturais, afetam os laços sociais e afetam a saúde mental de todos, resultando em danos irreversíveis que afetam a existência física, mental, financeira e social da humanidade como um todo.

Essa situação impede que as pessoas exerçam suas potencialidades naturais e culturais, dificultando a construção de identidades e tornando-as mais vulneráveis e dependentes.

Muitos consideram sinais do final do mundo, do Apocalipse. No entanto, estamos vivendo o início de um novo Gênesis. O livro do Gênesis nos ensina que o caos precede a criação. No início, havia o caos; a terra era informe e vazia, mas foi o trabalho de Deus que trouxe ordem ao caos. Fomos criados à imagem e semelhança divina, e essa semelhança reside em nossa capacidade de transformar o caos através do nosso esforço, nosso trabalho e não por milagre.

Ao longo da história, já enfrentamos diversos eventos adversos que nos desafiaram a sobreviver, adaptar, ousar, superar, aprender e evoluir. Sem essa capacidade, a espécie humana teria sucumbido logo após o seu surgimento. Diante de um futuro que parece sombrio para a humanidade, o caos externo é reflexo do caos interno que cada um de nós carrega e mostra a condição da incompletude humana.

Assim, como podemos contribuir para a construção de um mundo mais fraterno? Qual o segredo para manter uma vida saudável? Como podemos sobreviver diante de um mundo cada vez mais competitivo e polarizado?

Proponho que reflitamos sobre alguns elementos. O segredo da vida no universo reside na troca de energia. As plantas, por exemplo, fazem a fotossíntese, absorvendo o dióxido de carbono (CO₂) do ar poluído e liberando oxigênio puro, essencial para a vida dos seres vivos. Para fazer isso, as plantas precisam de luz.

No passado, a escuridão provocada por um meteoro interrompeu esse processo vital, o que culminou na extinção dos dinossauros, que estavam no topo da cadeia alimentar. Outros seres vivos, como os animais, utilizam a respiração, absorvendo oxigênio puro das plantas e liberando CO₂. Dessa forma, plantas e animais tornam-se parceiros em uma convivência bem-sucedida; sem um, o outro não sobrevive.

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As plantas garantem um ambiente saudável, mesmo diante das toxinas que as cercam. Como seres humanos, precisamos aprender com as plantas a desintoxicar nosso meio ambiente relacional, utilizando nossa consciência e nosso senso crítico. A propagação do ódio, do negacionismo e da distorção dos fatos só dificulta a convivência entre as pessoas, tornando esse objetivo extremamente difícil de alcançar.

A convivência com as diferenças, que poderia ser um aprendizado, se transforma em uma guerra, obscurecendo a luz que poderia iluminar o futuro da humanidade. Atualmente, assistimos a uma forma de assassinato coletivo das consciências, que poderiam servir como faróis, indicando caminhos através da crítica construtiva, questionamento e transgressão de modelos e conceitos que limitam nosso potencial humano.

As pessoas se comportam como manadas, guiadas pelas fake news que as levam para um destino que visa apenas o lucro, como rebanhos conduzidos por seus vaqueiros que os levam para currais que as agrupam como rezes por cercas de contenção ideológica.

Os grupos de WhatsApp são usados como bíblias doutrinárias e, através das redes sociais, se tornaram espaços sectários, nos quais as pessoas são intoxicadas por mentiras e meias verdades, destilando o ódio fratricida para não dispersar o rebanho.

Essas pessoas são alimentadas com rações tóxicas de desinformação quase diárias, que as impedem de respirar o ar puro que circula de forma saudável e livre, fora da bolha. Elas se isolam daqueles considerados infiéis, e deixam de se comunicar com as pessoas que pensam de maneira diferenciada. É comum ouvirmos comentários maldosos, semeando um ódio gratuito ao diferente.

As diferentes cores, que fazem a beleza do arco-íris, são combatidas e querem que ele seja unicolor: a cor do seu partido, de sua ideologia, de sua igreja. Onde não há troca de energia, há morte física, relacional, espiritual e afetiva.

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Essas pessoas aprendem somente a odiar, obedecer, a dizer: amém, perdem a capacidade de pensar, refletir, para ressignificar os fatos e de amar. Perdem sua humanidade, a sua capacidade de ousar, transgredir, desobedecer. Viram massa de manobra daqueles que lucram com a alienação alheia.

Esses fenômenos sociais e comportamentais estão impedindo a construção de uma sociedade plural, mais solidária, feliz e empática. Assim como a fotossíntese não pode acontecer sem luz, o desenvolvimento pessoal e a paz social são impossíveis sem uma consciência crítica ativa. A liberdade de ir e vir, de pensar e discordar, fica comprometida em um ambiente onde a comunicação se deteriora, levando ao isolamento e à incompreensão mútua.

A falta de comunicação nos isola ainda mais e torna a convivência quase impossível. A manipulação de notícias falsas torna-se uma arma que mantém as pessoas presas em bolhas de alienação, que produzem conflitos entre aqueles que não usam o terceiro cérebro, o neocórtex, onde o debate saudável é substituído por um ambiente de intolerância e ódio.

O que era um espaço de troca de ideias e crescimento se transforma em um campo de batalha ideológica, onde as diferenças são confrontadas e a diversidade é suprimida. O resultado é uma sociedade que aprende a odiar, a obedecer cegamente e a se conformar, perdendo a capacidade de reflexão e questionamento.

Diante deste cenário, torna-se ainda mais evidente a necessidade de desenvolver uma consciência crítica, ousada e cidadã. Precisamos reverter o risco de um apagão de consciência que pode ameaçar nossa civilização.

Somente através da educação, do diálogo e da promoção de um ambiente no qual as diferenças sejam respeitadas e celebradas poderemos iniciar o caminho para um futuro mais justo e sustentável. No entanto, é crucial ter em mente que tudo está interconectado e que cada ação individual tem implicações sistêmicas.

O desmatamento, a poluição e outras práticas destrutivas não são apenas questões ambientais; são reflexos de uma crise de consciência que se manifesta em todos os níveis da sociedade. A ambição por dinheiro e poder político não pode ser separada das crises que enfrentamos, tanto pessoais quanto coletivamente.

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Portanto, ao refletirmos sobre nossa saúde mental e bem-estar, é imprescindível que nos lembremos de que somos parte de um todo. Somos parte do problema e parte da solução. Cada pequena ação, cada escolha consciente, contribui para a construção de um mundo mais fraterno e saudável.

Ao nos unirmos em torno de valores que promovem a empatia e a solidariedade, e ao exercermos o nosso direito à crítica e ao questionamento, não apenas cuidamos de nós mesmos, mas também do próximo, da sociedade e do planeta.

É hora de transformar o caos em criação, de cultivar a luz que nos permite florescer em harmonia com o universo, promovendo nossa saúde mental.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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