O ano é 2021 e ainda estamos falando de concursos de Miss

O Miss Universo aconteceu esta semana e levanta um questionamento: ainda precisamos de concursos de beleza?

Legenda: Miss México venceu o Miss Universo 2021

Não há como negar que já avançamos em algumas pautas relacionadas a pressão estética e a luta contra um padrão de corpo feminino. As capas de revistas tiveram que alterar suas manchetes e trazer outras personagens para suas matérias, a gordofobia entrou em discussão, grandes marcas de moda enxergaram a diversidade de corpos como uma oportunidade de mercado, artistas de renome internacional expõem a beleza de corpos diferentes e até uma gigante de lingerie encerrou seu ‘tradicional’ desfile com mulheres vestindo asas de anjos. 

Mas o que justifica, em 2021, insistirmos em concursos de Miss? 

Estava passeando pelo Twitter pouco antes de dormir e me deparo com vários comentários sobre o tal concurso, o que me fez lembrar que isso ainda existe. Muitos falavam da representante brasileira, que avançou e chegou ao segundo lugar. Discussão sobre se era "justo" a mexicana vencer e por aí vai. Quem era, de fato mais bonita? Qual o corpo mais "perfeito"? Quem falou melhor?  Sério, a que isso serve? 

Lembro bem do meu primeiro concurso de beleza, ainda na escola, devia ter uns 11 anos. Recordo da minha empolgação na escolha das roupas que iria desfilar, do tal vestido de festa, no look ‘casual’ e tudo o que envolvia o evento. Eu gostava de palco. Encontrei as fotos desse dia recentemente.

Lá estava eu, com um sorriso imenso cheio de tensão, uma maquiagem carregadissima para uma criança, e ao lado de colegas de escola disputando atenção. Fiquei em segundo lugar e chorei por horas a fio. Lembro do desconforto da minha mãe com aquele ambiente, da irritação da minha tia com o resultado e da tentativa de me consolar do meu pai. Faço a mesmo pergunta que fiz acima, então: a que serviu ter participado de algo assim? 

Serviu para destruir uma autoestima ainda em formação e para colocar na minha cabeça que meu valor estava atribuído aos meus atributos físicos. E que, ainda que eu gostasse deles, só teriam valor a partir da aprovação do outro, de uma plateia, de um júri. E que, para além de tudo, eu deveria disputar com outras mulheres para saber quem era a melhor, mais bonita e mais interessante. Elas eram, portanto, minhas inimigas.

Quem estava ali assistindo não queria saber se eu era engraçada, divertida, inteligente, sabida... meu valor estava apenas na minha dita beleza. Ainda assim, ela só seria valorada a partir de comparações com outras mulheres e com o ponto de vista de qualquer pessoa, menos a minha.    

Sendo assim, porque insistimos em concursos de miss? Um evento que só corrobora com muitos dos aspectos nocivos de uma sociedade com as mulheres. Competição feminina, objetificação do corpo, reforço de padrões estéticos, validação do julgamento coletivo do corpo de uma mulher, e outros infinitos problemas com os quais nos deparamos diariamente.
 

Ainda que o concurso tenha passado por reformulações durante os anos, pouco muda no que é próprio do evento: mulheres disputando entre si quem merece um título de beleza, sendo esta padronizada e esculpida em mesas de cirurgia e clínicas de estética. Perpetuando uma cultura de que devemos estar investindo nosso tempo, nosso dinheiro e nossas energia em nossa aparência. 

Além disso, esse tipo de evento valorizando a existência feminina a partir de sua aparência. É algo, em sua essência, misógino, gordofóbico, machista e racista. Ainda que desses concursos atuais se tente levantar temáticas sociais para o palco a partir dos poucos minutos de fala oferecidos às concorrentes (contém ironia), no fim, pouco muda. 

Não precisamos de mais um concurso de beleza, não precisamos de misses, não precisamos de um júri anotando o que é bom ou ruim em nosso corpo. 

O mundo para as mulheres é e precisar ser muito maior do que isso.